The Comey Rule: não há boa ação sem castigo
The Comey Rule, baseado no livro A Higher Loyalty do antigo diretor do FBI, James Comey, segue os meses que antecederam as eleições americanas de 2016.
James Comey foi o presidente do FBI responsável por abrir um inquérito a Hillary Clinton para determinar se existia crime ou não na troca de mensagens entre a Secretária de Estado e várias entidades. Todos ouvimos nas notícias. “Crooked Hillary”. O “erro” de Comey foi ter dividido a investigação em três fases, sendo a última poucos dias antes do dia da eleição. Porquê? Porque Anthony Wiener decidiu enviar dick pics! O flagelo das dick pics não conhece limites. Google it. Não dick pics, mas o nome Anthony Wiener, quem é a mulher dele e o cargo que ocupava. Bem… Provavelmente, vão encontrar aquilo que não querem na mesma.
Os quatro episódios de The Comey Rule (em Portugal, a minissérie foi dividida em quatro partes e não duas) vão desde o momento em que Comey é apontado por Obama para Diretor do FBI até à sua demissão por Donald Trump. O FBI e a Casa Branca não podem ser chegados. Ou seja, convém que o Presidente não seja próximo do Diretor do FBI nem mantenha qualquer tipo de relação com este, visto que é esta agência que investiga possíveis ilegalidades no Governo norte-americano. Acima do FBI, está a DOJ (vão ter de googlar muitas siglas). Mas, é o próprio Presidente que escolhe o Diretor e o sugere ao Senado que pode aprovar ou não.

James Comey parece ser um tipo afável em The Comey Rule, muito próximo dos seus agentes e ligado à família. Vemos, constantemente a luta entre fazer o seu trabalho e o ambiente familiar. Ele serve a nação, o povo americano. A personagem é algo parcial porque foi o próprio Comey a escrever o livro. Rob Rosenstein apelida-o de “showboat”, ambicioso e alguém que gosta dos holofotes. Nada disso nos é apresentado na série. E Rosenstein não é a fonte mais fiável. Lembra um fuinha vítima de bullying na primária que chega a um cargo alto. James é mais um homem que tenta fazer o que é correto, independentemente das pressões que lhe são colocadas. Investigar Clinton tão perto das eleições, pode manchar a imagem da candidata e “oferecer” a vitória a Donald Trump. São várias as cenas em que vemos pessoas aproximarem-se dele para o congratular ou condenar, o que mostra a divisão que existia já em 2016.
Apesar de ilibada, Clinton perde a Presidência, embora tenha ganho o voto popular. Pesquisem “Colégio Eleitoral” e tentem perceber como ainda não mudaram as leis de voto naquele país.
Em pano de fundo, a Rússia já se encontra na imagem. Suspeitas de interferências na campanha eleitoral não são meros rumores, são quase factos com contornos visíveis. Mas passam para segundo plano perante o processo decorrente dos emails. Como se Comey, numa busca pela justiça, pelo “certo”, colocasse a ameaça de Leste no armário.
Donald Trump vence e o país cai em cima de Comey. Na opinião dos americanos, foi ele que levou à derrota de Clinton ao lançar suspeitas sobre a moral da candidata. Fiel ao seu serviço ao povo americano, é agora diretor de uma agência federal com Trump na cadeira do homem mais poderoso do mundo ocidental. E cumpre a sua função. Aqui sim, começamos a ouvir falar da Rússia. Já todos conhecemos as “Pee Pee Parties”, sendo essas apenas a ponta do icebergue.
Brendan Gleeson interpreta magistralmente Donald Trump. Todos sabemos que Trump é um personagem por si só. Se já conseguiram imitá-lo na perfeição a dizer “sad”, sabem que não é difícil. Mas Gleeson traz para a mesa trejeitos que nem me apercebi que Trump possui. Existem planos aproximados da cara dele e, mesmo sendo visíveis as diferenças, todos os maneirismos enganam até os olhos mais treinados. Admito que me ri imenso. Não porque seja um boneco ou uma comédia propositada, mas porque corresponde à imagem transmitida por Trump. Ah. Antes de mais, têm de ter conhecimento total e absoluto de um facto repetido ad nauseam no episódio em que a família Trump se muda para a Casa Branca: ele possui uma excelente olho para o design de interiores. Registem isso.
Donald não é um vilão. Ele é o que é, o que vemos. Nada mais. Mas salva a série, embora o elenco seja bom e algo próximo nas semelhanças com as pessoas reais. É Comey que carrega aqui a função de bom ou vilão (que Jeff Daniels interpreta com mestria). Um homem com poucas palavra e poucas expressões.
No fundo, o livro serve mais como uma justificação para o porquê de James Comey ter tomado as decisões que tomou. Nessas eleições, havia pouco espaço para zonas cinzentas e talvez fosse melhor um homem com um estômago mais forte, capaz de olhar para a big picture e “varrer para debaixo do tapete” muitas das informações que poderiam alterar o resultado final. Mas foi mesmo ele o causador da derrota de Hillary?! A Rússia foi continuamente ignorada. Será que eles já não tinham decidido, pelo povo americano, cinco anos antes, quem seria o Presidente. A Rússia está neste mundo para o “long game”. É pouco provável que um homem sozinho, mesmo um poderoso, pudesse fazer cair um candidato sem a “ajuda” de terceiros.
The Comey Rule pertence à Showtime e está disponível, em Portugal, no serviço de streaming HBO.