EXTRAS

A triste sina de uma seriólica sem tempo (ou como ser adulto é uma treta)

Isto de gostar de séries é tudo muito bonito, até uma pessoa ter um emprego e estar sem tempo. Porque uma coisa é procrastinar quando se é estudante, outra coisa é arranjar energia para ver séries depois de oito horas (e muitas vezes mais do que isso) de trabalho. Depois de uma investigação bastante óbvia, é fácil constatar que a vida profissional estragou completamente a minha vida de seriólica: dou por mim com 1001 séries em atraso, 882 que ainda nem consegui começar a ver e muita incapacidade de manter o meu nível habitual de geekness. Chamar a isto crise de identidade é um eufemismo.

sem tempo

Como procrastinadora convicta e praticante, era surpreendente a dedicação que eu empregava na leitura de livros, numa primeira fase, e mais tarde em filmes e séries, já depois dos 18 anos. Qualquer momento era aproveitado ao máximo, sem tempo contando, com personagens atrás de personagens, séries em dia e muitas conversas geek com outros viciados como eu. O meu início de vida seriólica, todavia, não tem nada de glamoroso: a Diana, a minha colega de casa na Faculdade, via «Os Diários do Vampiro» e «Glee». Eu comecei a ver também, desde os primeiros episódios para perceber a história, e, quando dei por isso, ela desistiu das séries e eu fiquei agarrada. Primeiro a estes dramas adolescentes, dos quais desistiria também anos mais tarde, e depois a uma sucessão impressionante de pilotos, temporadas e maratonas.

Os anos seguintes, segundo o trakt.tv, contam-se em 104 dias, 7 horas e 11 minutos a assistir a 4148 episódios de 292 séries. Não fosse ter começado a trabalhar aos 20 anos, com uma tese pelo meio, e tenho a certeza que os meus números seriam bem mais memoráveis. A tendência para ver menos coisas tem-se agravado nos últimos anos, entre o full time e freelancers (algo que não vos posso reproduzir em dados concretos porque implicaria ter uma conta premium no trakt.tv). O que não deixa de ser bastante irónico, já que um dos meus freelancers é a escrever para a Revista Metropolis… sobre televisão. Se não fosse isso, acreditem, os meus números seriam ainda mais ridículos

sem tempo

Estão a ver aquelas pessoas com que gozamos quando somos jovens, porque adormecem no sofá constantemente? Eu tornei-me uma dessas pessoas. Uau. Não é um momento de orgulho da minha parte, este. Chego ao fim do dia completamente exausta, sem energia e, por diversas vezes, tenho de parar um episódio para ir dormir (ou adormeço onde estou, incapaz de fazer a deslocação). Longe vai o tempo em que via séries madrugada fora, até às três ou quatro horas da manhã, e ia trabalhar normalmente no dia seguinte. Agora faço uma maratona de Óscares e ando a arrastar-me durante duas semanas. Parece uma maldição zombie, que afeta os seriólicos a partir de certa idade. Ou só a mim, porque sou um espécime fraco (e sem tempo) e é a seleção natural a acontecer.

O blogue, aqui no burgo, também vai pagando as favas. Este texto é uma mistura de confissão com pedido de desculpas pela minha inabilidade de ser uma adulta funcional. Não sei se me hei-de isolar do mundo para pôr as séries todas em dia, despachar os artigos dos próximos meses para depois conseguir ser uma seriólica a sério durante esse período, ou simplesmente ir dormir porque não consigo decidir. Já viram a tristeza? Antes uma pessoa ia dormir porque tinha demorado demasiado tempo a escolher o que ver e, a certa altura, era vencida pelo cansaço. É como se, em vez de desistir da guerra porque estou a perder, desistir antes de viajar porque já sei qual o meu destino e assim ainda evito o esforço.

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Vou entrar em reabilitação para curar esta maleita de estar sem tempo, prometo. Bem, vou continuar a ter muito que fazer, porque as contas não se pagam sozinhas, mas vou tentar combater esta soneira e fazer a minha vida de seriólica entrar novamente nos eixos. E, mais importante do que tudo isso, retomar o gosto de me sentar ao sofá e aproveitar o episódio de uma série. Simplesmente aproveitar, desligada da eventualidade de ter de escrever sobre ele nalgum momento. A vida adulta tira-nos muito isso, o passar pelo momento sem pensar no que ele pode representar. A profundidade desta frase aplica-se a várias coisas, mas vamos deixá-la apenas aqui, à frente do ecrã a 16:9 da minha TV, antes de carregar play para um episódio. [Quem é que eu quero enganar, é óbvio que vou dormir. Começo amanhã, ok?].

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