EXTRAS

Globos de Ouro: sair do Truman Show (com amigos)

Apesar de os Globos de Ouro serem conhecidos pelas surpresas nas categorias de TV, este domingo confirmaram apenas as escolhas que os Emmys já tinham feito em setembro. Na primeira cerimónia hiper-mediatizada desde que rebentou o caso Harvey Weinstein, Seth Meyers agarrou o “elefante na sala” pela tromba e disparou contra personalidades concretas sem qualquer travão. Hollywood fez das próprias feridas espetáculo e, no meio de campanhas como #MeToo e #TimesUp, resta saber se haverá respostas efetivas ou se tudo não passa de uma falsa redenção.

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A antecipação dos Globos de Ouro, a primeira grande cerimónia de 2018, pouco ou nada teve a ver com prémios. A curiosidade residia, sobretudo, em saber como Hollywood ia reagir à polémica intensa dos últimos meses, com diversas denúncias públicas de assédio sexual. Depois dos vários dedos apontados ao produtor Harvey Weinstein e da queda de estrelas como Kevin Spacey e Louis CK, a indústria colocou-os ao lado de Donald Trump na lista de alvos incontestáveis. No entanto, assim como acontece com o Presidente dos Estados Unidos, tudo o que é em demasia acaba por ter o efeito oposto e, a certa altura, as “bocas” de Seth Meyers para Kevin Spacey no monólogo de abertura eram recebidas com espanto (pela intensidade) e praticamente sem gargalhadas. O mesmo aconteceu com Woody Allen que, apesar de estar também no centro das críticas, e das denúncias que recaem sobre si há pelo menos 25 anos, não teve uma resposta efusiva do público. Diferente sorte para Oprah Winfrey, muito aplaudida e de pé, e Natalie Portman, autora da brilhante frase: “Aqui estão todos os homens nomeados”, na categoria de Melhor Realizador.

A hipocrisia é demais evidente. Hollywood sempre soube de casos polémicos no seu seio, sendo que a tendência vigente foi evitar que os mesmos gerassem uma reação mediática. Funcionários assediados foram incentivados por superiores a não avançar com queixas, outros compactuaram com os agressores – criando um falso ambiente seguro às vítimas, veja-se o caso de Weinstein – e figuras reconhecidas do cinema terão mesmo travado a publicação de notícias acusatórias. As celebridades têm dito basta e, no domingo, a larga maioria vestiu a cor desta causa: o preto e as mulheres formaram duplas, cortando com o típico esquema de acompanhamento destas cerimónias, e chamaram à ribalta ativistas e outras vozes ativas na defesa da denúncia e culpabilização dos assediadores.

Os media, genericamente, alinharam, mas a hipocrisia também se estendia a eles. Debra Messing não fez por menos e, numa entrevista ao E!, apontou responsabilidades ao canal pela diferença brutal de salários entre profissionais homens e mulheres, recordando o caso de Catt Sadler. Ironicamente, pouco tempo depois deste show-off, veio a saber-se que Mark Wahlberg recebeu 1,5 milhões de dólares para regravar cenas de «Todo o Dinheiro do Mundo» (2017), enquanto a protagonista Michelle Williams recebeu menos de mil – não sabia do acordo do colega e, para piorar, ambos são representados pela mesma agência. Quando as câmaras estão desligadas, a história é outra certo?

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O consenso entre os Emmys de setembro e os Globos de Ouro de domingo tem, à partida, uma explicação bastante simples: os Globos gostam tendencialmente de séries novas, e estreias como «The Handmaid’s Tale» e «Big Littles Lies» já tinham brilhado em 2017. A grande diferença reside no tratamento de «Veep», já que Julia Louis-Dreyfus segue imbatível nos Emmys, vencendo ano após ano, mas a sua ausência dos nomeados – quebrando uma bem-sucedida sucessão de nomeações – , levou a que o choque fosse sendo apaziguado ao longo das semanas que separaram as nomeações dos resultados. Por sua vez, o destaque de atores como Sterling K. Brown e Aziz Ansari vem redimir a Academia que nunca os tinha premiado. Outra diferença teve a ver com o facto de séries indicadas em setembro nos Emmys não terem conteúdos novos lançados no período abrangido pelos Globos de Ouro (e de já terem tido o seu momento ao sol nos Globos de 2017).

As grandes vencedoras da noite, sem surpresas e na linha do que já tínhamos visto, foram «The Handmaid’s Tale» e «Big Little Lies», que voltaram a ‘limpar’ as principais categorias de Drama e Minissérie. Além do Globo de Melhor Série Dramática, «The Handmaid«s Tale» viu a sua protagonista Elisabeth Moss ser premiada como Melhor Atriz em Série Dramática. Como os Globos, que têm menos categorias para TV, unem as intérpretes secundárias numa só categoria, ignorando género ou duração, Laura Dern (Melhor Secundária em Minissérie nos Emmys) e Ann Dowd (Melhor Atriz Secundária em Drama) confrontaram-se num concorrido tira-teimas e a primeira levou a melhor. «Big Little Lies» reafirmou ainda o lugar de Melhor Minissérie de 2017, bem como a coroação de Nicole Kidman como Melhor Atriz e Alexander Skarsgård como Melhor Secundário (desta feita, tal como Laura Dern, numa categoria mais abrangente). Mais uma vez, «Stranger Things» e «Feud» a ver navios.

Globos de Ouro

Ainda em Drama, Sterling K. Brown quebrou a malapata e conseguiu um 2 em 1: terminou um discurso de vitória sem ser interrompido e venceu o primeiro Globo, por «This is Us», a juntar aos dois Emmys que já tem em casa. Ewan McGregor, que em setembro foi batido por Riz Ahmed – nomeado ao Globo em 2017 –,  foi eleito o Melhor Ator em Minissérie ou TV Movie e protagonizou um dos momentos mais caricatos da cerimónia. O ator, que terá traído a mulher com a colega Mary Elizabeth Winstead – que é apontada como a sua nova namorada –, agradeceu a ambas e lançou um coro de estupefação nas redes sociais. À terceira nomeação aos Globos, o ator escocês conseguiu mesmo levar a melhor, desta feita pelo regresso ao pequeno ecrã em «Fargo», onde deu corpo a dois irmãos gémeos bastante problemáticos. Para quem gosta de gossip, outro dos momentos altos foi a subida ao palco de Jennifer Aniston para anunciar um prémio, e que contou com Angelina Jolie à sua frente e mais preocupada em comer, segundo mostram algumas fotos. No passado, o ator Brad Pitt, entretanto novamente separado, trocou a primeira pela segunda.

Em comédia, Aziz Ansari aproveitou a ausência de Donald Glover para a premiação merecida por «Master of None» e Rachel Brosnahan confirmou o favoritismo, vencendo pela também Melhor Série de Comédia «The Marvelous Mrs. Maisel». Por seu lado, «Black-ish» teima em ser o patinho feio desta história: Tracee Ellis Ross até tinha vencido em 2017, mas desta vez nem foi nomeada, e Anthony Anderson alcançou a primeira indicação e saiu de mãos vazias. Entre outros “derrotados”, ainda que noutras categorias, estão os regressos de «Will & Grace» e «Twin Peaks», e ainda «The Crown» e «A Guerra dos Tronos»; a segunda apenas nomeada como Melhor Série Dramática. Seth Meyers ficou igualmente mal na fotografia, já que depois do polémico arranque raramente lhe voltámos a pôr a vista em cima. (Ah, e Tommy Wiseau, que tinha o discurso preparado mas foi travado por James Franco, entretanto também acusado de assédio por mulheres do seu passado…).

Globos de Ouro

Participações especiais:

Como leigo que sou em relação ao cinema, fiquei bastante contente com a vitória de James Franco, sendo que o resto dos prémios me passou um pouco ao lado. Na TV, Aziz levou mais um prémio merecido, com Big Little Lies e Handmaid’s Tale a voltarem a ser os grandes vencedores. A desilusão da noite foi mesmo Seth Meyers, com um monólogo sofrível e que se eclipsou totalmente no decorrer da noite.

Diogo Gonçalves

Times Up foi com certeza o foco da cerimónia onde os presentes deram tudo para suportar a causa. A vitória de Gary Oldman foi o meu maior orgulho no mundo do cinema. Nas séries, sem surpresas, Handmaid’s Tale e Big Little Lies arrebataram a maioria dos prémios. E o Aziz Ansari ganhou um Globo de Ouro, finalmente! E já agora vejam os vídeos do elevador da Instyle Magazine, são espetaculares!

Juliana Melo

Elizabeth Moss e The Handmaids Tale mereceram tudo (sorry GOT, já estava mais que na altura!). Ótimo saber que o Aziz também saiu vencedor, e a Saiorse. Destaque para algum reconhecimento ao Alexander Skarsgård, já era tempo.

Daniela Boino

E se os Golden Globes voltassem a fazer magia? Deixei de ver as entregas de prémios por se terem tornado demasiado aborrecidas para mim. Tornou-se demasiado cansativo. Será que este ano, com o movimento criado iremos ter alguma mudança? Para o ano volto a ver na esperança que sim, conseguimos mudar

Cath Duarte

Foi o tema da noite e dissecado ao pormenor. Praticamente todas as mulheres presentes nos Globos de Ouro foram de preto, num movimento simbólico de apoio ao movimento Time’s Up e às vítimas de assédio sexual. Caiu, naturalmente, o Carmo e a Trindade. Porque antes nunca se queixaram e foram alegremente à cerimónia, porque há uma espécie de “caça às bruxas” em Hollywood, porque os prémios foram políticos, porque vivem numa bolha e não têm direito de se queixar. Não importa se hoje falam, porque antes se calaram. Não importa se há provas e se os números de assédio e violações são assustadores em todo o mundo – não só em Hollywood –, porque se são atrizes é óbvio que “subiram na horizontal e agora querem ter mais protagonismo” (como lido frequentemente nas redes sociais e no ouvido no café mais próximo). Não importa se The Handmaid’s Tale, Big Little Lies e Three Billboards Outside Ebbing Missouri são produções fantásticas, porque claro que só ganharam os Globos de Ouro porque quiserem premiar gajas. E, claro está, não importa usar o termo “caça às bruxas” para descrever as queixas contra assédios sexuais, porque não há mal nenhum em usar um momento na História que os investigadores chamam de “gendercidal” (homicídios em larga escala focados num únicos género) e que resultou em dezenas de milhares de mortos para criticar quem tem a coragem de falar (e aproveitar o raro momento de empatia pública). Presas por ter cão, presas por não ter. Criticadas por falar do tema, criticadas por terem ficado caladas. Gozadas por irem de negro, gozadas por irem de vermelho. O habitual, portanto. Na noite de Globos de Ouro, a violência de género entrou pela passadeira vermelha e remeteu para segundo plano os prémios, vencedores e derrotados. Chamaram o movimento de fogo-de-vistas, de purpurinas, de exagero. Pelos vistos, ainda não existiram purpurinas suficientes…

Marisa Figueiredo

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