Murderbot

Com uma narrativa centrada numa inteligência artificial sarcástica, letal e introspetiva, «Murderbot», da Apple TV+, equilibra ação e humor. Ao mesmo tempo, aborda questões profundas sobre identidade, autonomia e o que significa ser livre num mundo em que se espera uma obediência cega.

De vampiro frio e implacável em «True Blood» a androide introspetivo e letal em «Murderbot», Alexander Skarsgård volta a encarnar uma personagem que desafia os limites entre o humano e o inumano. Só que, desta vez, o “monstro” não se esconde nas sombras. Murderbot não quer ser herói, não quer nada com ninguém – mas também não quer dar nas vistas. Ironicamente, quanto mais tenta evitar os humanos, mais acaba por salvá-los, até contra a sua vontade.

Murderbot

Embora a sua personagem seja uma inteligência artificial programada para proteger e, se necessário, eliminar ameaças sem hesitar, é também uma entidade marcada por dúvidas e conflitos internos. Esta dualidade entre força implacável e vulnerabilidade inesperada faz de Murderbot uma figura complexa, onde Skarsgård nos mostra um lado mais humano, mesmo que num corpo artificial.

A série da Apple TV+ adapta The Murderbot Diaries, de Martha Wells, que conquistou o mundo da ficção científica com a voz singular deste anti-herói sarcástico e autoconsciente. O primeiro volume, All Systems Red, publicado em 2017, lançou as bases para uma saga multipremiada que combina crítica ao poder corporativo, introspeção e ação futurista. A adaptação televisiva recupera esse ADN literário e transforma-o numa experiência mais cerebral, que privilegia o olhar, o desconforto e a tensão silenciosa.

Num futuro onde as grandes corporações detêm o controlo da tecnologia, da exploração espacial e, em última análise, da vida humana, a liberdade não é um direito: é um produto. A programação original de Murderbot não inclui margem para a hesitação, nem espaço para escolhas morais. Mas, ao hackear o seu módulo de controlo, Murderbot torna-se algo raro: uma entidade artificial livre. Não obstante, essa liberdade não o liberta, apenas o torna consciente da prisão em que vive.

Murderbot

Murderbot não faz discursos, não lidera revoluções e não leva bandeiras. Não quer mudar o sistema, nem salvar o mundo. Na verdade, só quer estar sozinho, de preferência a ver séries em silêncio, sem ter de lidar com humanos e os seus dramas imprevisíveis. Ao escolher não obedecer, Murderbot não se revolta com violência, pois limita-se a existir fora do sistema, um ato que, num universo dominado por corporações impiedosas, é por si só uma ameaça. Ele analisa e, quando intervém, fá-lo quase com uma postura de aborrecimento.

Mas não é um herói clássico. É um herói relutante, desconfortável, que nunca procura reconhecimento nem redenção. Murderbot age por impulso, por lógica, por uma espécie de código interior que não sabe de onde vem: talvez empatia, talvez apenas decência. Não quer ser exemplo, mas acaba por sê-lo. Não quer ser inspiração, mas não há como ignorar a sua integridade teimosa.

 

Texto originalmente publicado na Metropolis

 

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