NETFLIXREVIEWSSTREAMING

Desajustados: a ironia de cumprir o que promete

Das poucas certezas que tenho na vida, há duas incontornáveis: não é fácil replicar (com sucesso) na atualidade aquilo que se conseguiu com «Erva», protagonizada por Mary-Louise Parker, e nenhum ator de topo está livre de ‘cair’ num projeto sem interesse. Como tal, longe vai o tempo em que ter Kathy Bates no elenco era garantia de qualidade. «Desajustados» resume-se numa palavra, e ela vem logo no título.

Desajustados

É como seguir a receita que aprendemos com a nossa avó. Acertamos nos ingredientes, mas, na hora da verdade, o sabor não é o mesmo. Não há metáfora que ilustre melhor a tentativa falhada, por parte da Netflix, de conquistar os fãs perdidos de «Erva», que terminou em 2012 após oito temporadas. Comédia, marijuana e uma protagonista feminina de peso: os ingredientes estão todos lá, mas é mais o que separa as duas séries do que aquilo que as aproxima. Além disso, não há nada mais irónico, diga-se, do que apelidar de «Desajustados» uma série onde tudo parece estar… desajustado – e não no bom sentido.

No papel, juntar Kathy BatesChuck Lorre («Dharma & Greg»«Dois Homens e Meio», «A Teoria do Big Bang», «Vida de Mãe») e David Javerbaum («The Daily Show»«The Late Late Show With James Corden») tem tudo para dar certo. Só que depois de assistir ao resultado final, já não tenho tanta certeza. Não fosse a audiência presente, que vai soltando demasiadas gargalhadas, e, a espaços, facilmente me esqueceria que se trata de uma comédia. Isto porque, por diversas vezes, o  que é dito não tem… piada. Mas eis que surge, de rajada, um conjunto coordenado de risos que me tenta convencer do contrário. Será que estava a ter um mau dia, ou esta é realmente uma má comédia?

Desajustados

A premissa de «Desajustados» é interessante. Se em «High Maintenance» tínhamos um vendedor que apostava na tradicional venda porta a porta, aqui temos uma loja a querer integrar-se nas novas tecnologias, nomeadamente com a aposta na divulgação via YouTube. O ‘culpado’ é o filho de Ruth (Kathy Bates), Travis (Aaron Moten), que quer ajudar a mãe a relançar o espaço e a atrair novos clientes. Por outro lado, pretende também lançar uma rede concessionada de novas lojas, acreditando que há por onde crescer. No entanto, tal não agrada de imediato à mãe que, para sua defesa, está, na maioria das vezes, sob o efeito do produto que vende.

Desta forma, como pode uma narrativa tão promissora esfumar-se logo no arranque? Porque está desajustada. Todas as personagens, de forte interesse individual, se anulam quando têm de interagir umas com as outras. Por sua vez, insistir num discurso cómico, que não tem piada – mas é sufocado com as gargalhadas do público presente-, torna a situação ainda mais desconfortável. Quer isto dizer que, além de o momento narrativo não ter o devido – e merecido desenvolvimento – cai sobre ele uma manta de retalhos (na forma de risos), que limita a já pouca profundidade inerente aos diálogos. E não, não se ‘desculpa’ tudo às comédias – ou, pelo menos, não se devia desculpar.

Desajustados

Se «Desajustados» fosse um jogo de futebol, dir-se-ia que era “Kathy Bates mais 10“. E, embora não duvide da capacidade da popular atriz levar uma série às costas, a verdade é que isso parece castigo quando os esforços se anunciam, à partida, como inglórios. O elenco jovem, onde se destaca Aaron Moten, que já passou por «Mozart in the Jungle»«The Night Of», é, na generalidade, bastante desconhecido e a sua inexperiência não passa despercebida. Chuck Lorre pode até já ter dado provas de que não é preciso ‘comprar’ uma estrela consagrada para ter uma aposta bem-sucedida mas, neste caso, a poupança nos atores pode ter um custo demasiado alto.

Ao contrário do que tem sido imagem de marca da Netflix, a primeira temporada de «Desajustados» não foi lançada na sua totalidade, pelo que a segunda parte das aventuras de Ruth e companhia chegará apenas em 2018. Esta estratégia pode ser interessante a curto-médio prazo, mas não para comédias como esta. Já para o espectador, a inovação pode até parecer aborrecida, mas implica uma presença mais constante das séries nas suas vidas, encurtando os hiatus de 12 meses. No entanto, se essa pausa se fizer com um cliffhanger à mistura, será que o nosso coração aguenta?

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *