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9-1-1: quem não quer ser Shonda Rhimes…

Para Ryan Murphy, as comparações com Shonda Rhimes estão ao nível daquelas que sofreu Dominique Wilkins, ao ser contemporâneo de Michael Jordan e Larry Bird na NBA. Mesmo sendo um ás dos afundanços, Wilkins não conseguiu superar os dois ‘monstros’ do basquetebol em campo. Já Ryan Murphy continua a reforçar a sua presença na indústria de TV, mas Shonda Rhimes ainda está à frente. Agora, com «9-1-1», infiltra-se no mundo onde ela foi coroada rainha: os dramas médicos.

9-1-1

Acabado o episódio piloto de «9-1-1», senti-me amplamente dividida enquanto espectadora: a quantidade absurda de acontecimentos e revelações importantes fez-me crer que tinha acabado de ver uma temporada inteira, mas o facto de as personagens serem apresentadas apenas à superfície contrariava esta primeira impressão. Assim como acontece com a narrativa, o perfil das personagens é construído com base no choque e num corrupio de emoções que, apresentadas de forma sucessiva e sempre com o ritmo nos píncaros, mal deixam a narrativa respirar. No entanto, este é um dos formatos narrativos usados para agarrar o público que, insaciável, não aguenta enquanto não souber o que vem a seguir. Não é o meu caso.

Vamos fazer um teste. Caso tenham amigos seriólicos que ainda não viram «9-1-1», e pouco ou nada sabem sobre a sua origem, desafiem-nos a ver o primeiro episódio e, no final, perguntem-lhes quem acham que criou a série. Não estranhem se a resposta for Shonda Rhimes. Embora Ryan Murphy tenha assumido a rédeas da criação de séries televisivas seis anos antes de Shonda, em 1999, a verdade é que ela conseguiu em pouco tempo, cerca de dois anos, aquilo que ele demorou mais de uma década a definir: um legado na TV. Mais do que isso, Shonda estabeleceu um estilo narrativo que, não sendo inédito, ficou colado à sua imagem. Marcado pela aposta firme e permanente no choque inescapável e no drama em ebulição, o esquema de séries como «Anatomia de Grey», «Scandal» ou «Como Defender um Assassino» marcou uma era e colocou Shonda Rhimes no topo dos produtores executivos. (E não é por acaso que alguns a chamam ‘Shondanás’.)

9-1-1

Esta parece a “História de um Menino que Estava a uma Série Médica de Ser Shonda Rhimes” (se considerarmos que «Nip/Tuck» era mais específica), mas Ryan Murphy tem um currículo vasto e com valor próprio. Foi assumindo a criação de uma série de cada vez e só com «American Horror Story», lançada numa altura em que «Glee» ainda durava, inverteu esta tendência. Atualmente, tem um império que impõe respeito, com quatro séries em andamento: «9-1-1», «American Horror Story», «American Crime Story» (Versace estreia na FOX Life dia 25) e «Feud», com «Pose» prestes a ser lançada. Além disso, tem mantido na sua ‘cartilha’ um leque invejável de grandes atores, como Jessica Lange, Evan Peters, Sarah Paulson, Angela Bassett e Kathy Bates, colaborando ainda ocasionalmente com nomes como Penélope Cruz, Susan Sarandon, Catherine Zeta-Jones ou Cuba Gooding Jr. «9-1-1» é uma combinação destas duas facetas.

Ryan Murphy dá a Angela Bassett o protagonismo que ela já tinha mostrado merecer após 47 episódios de «American Horror Story», e, por outro lado, vai buscar Peter Krause («Sete Palmos de Terra», «Parenthood») e Connie Britton («Friday Night Lights», «Nashville»). Os três encabeçam as áreas de atuação de «9-1-1», a polícia, os bombeiros e os recetores das chamadas de emergência, e humanizam também a trama fortemente apoiada na rotina e na tragédia que pauta o dia a dia destes profissionais. Tal como em «Anatomia de Grey», a vida profissional destes socorristas parece bem mais ‘animada’ do que a de qualquer comum mortal. E, para tornar estas comparações ainda mais inevitáveis, «9-1-1» tem uma narradora, neste caso Abbie (Connie Britton), que vai envolvendo cada vez mais o espectador no ambiente ficcional.

9-1-1

É fácil empatizar com «9-1-1», nomeadamente a partir de Abbie que, embora faça parte da ação, acaba sempre à margem desta mal os serviços de emergência chegam. As personagens são conhecidas pelos seus problemas, pelo que a aproximação e a humanização delas é executada pela dor. Esta tendência extravasa tudo o resto, levando a um crescente desequilíbrio da narrativa que, ainda assim, faz aumentar a tensão e a expetativa do que se segue. Da mesma forma, o elenco principal é caraterizado de forma estereotipada — o que não é obrigatoriamente negativo —, o que se concretiza na sua representação de uma profissão (e do que lá se encontra) ao invés de uma complexa individualidade. Até certo ponto, aliás, pode considerar-se que a colagem à profissão e ao drama sempre iminente impossibilita a existência — e consequente crescimento — da personagem por si só.

Apesar de tudo, não se pode castigar «9-1-1» por não ser um documentário: a série não quer sê-lo. É, em vez disso, uma hora de entretenimento semanal que revela e desmistifica profissões que falam a mesma ‘língua’ em todo o mundo, já que os serviços de emergência são uma necessidade em todos os países. Ao dar rostos e personalidades/vícios aos envolvidos, simplifica e torna mais interessante, em certa medida, a relação do espectador com esse universo. Como tal, é uma série televisiva que responde a um nicho alargado que, a julgar pela invasão de dramas médicos anualmente, continua a render adeptos e a valer êxitos. Para já, «9-1-1» conseguiu mais do que muitas séries médicas dos últimos anos: uma segunda temporada.

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