Nos subúrbios de Filadélfia, a nova série da HBO Max expõe como o crime e a sobrevivência se confundem no quotidiano. «Task» é um retrato cru de famílias dilaceradas, onde cada escolha se paga com sangue ou silêncio.
A HBO Max aposta novamente na visão de Brad Ingelsby, criador de «Mare of Easttown», para explorar o lado mais sombrio da América operária. Em «Task», a ação decorre nos subúrbios de Filadélfia e acompanha Tom Brandis (Mark Ruffalo), um agente do FBI e ex-padre, devastado por perdas pessoais, e chamado a liderar uma equipa para investigar uma série de assaltos violentos. No outro extremo está Robbie Prendergrast (Tom Pelphrey), que trabalha no lixo e transforma a sobrevivência em delito. Entre eles ergue-se um retrato cru de famílias dilaceradas e de uma comunidade onde a fé, a culpa e a violência caminham lado a lado.
Se Tom carrega consigo o peso da esperança perdida e das feridas domésticas, Robbie encontra na sua sobrinha Maeve (Emilia Jones) a âncora para uma vida em colapso. É ela quem trata da casa, cuida das crianças e tenta manter alguma normalidade perante a espiral criminosa do tio. A série não se limita ao jogo de polícia e ladrão: revela como a sobrevivência diária se escreve nos gestos mais pequenos, nas responsabilidades inesperadas e na forma como cada escolha ecoa no quotidiano de uma família vulnerável.
A equipa de agentes que Brandis lidera reúne um grupo de personalidades contrastantes em «Task». Anthony Grasso (Fabien Frankel) surge como o detetive experiente, enquanto Aleah (Thuso Mbedu) acrescenta disciplina e rigor técnico à equipa. Já Elizabeth Stover (Alison Oliver) representa a juventude e a inexperiência, transformando-se num contraponto mais humano através de momentos cómicos, particularmente com Grasso. Esta mistura de tons, entre o realismo duro da investigação e pequenos escapes de leveza, dá ao grupo uma textura credível, mostrando que até no meio da violência há espaço para gestos de humanidade.
No lado de Robbie, a narrativa mergulha no território da lealdade e da tentação, onde cada aliança tem o peso de uma escolha de vida ou de morte. Os cúmplices que o acompanham não são apenas parceiros de delito, mas reflexos da precariedade que atravessa a comunidade: homens que oscilam entre a amizade e a violência, entre a necessidade de sustento e a ânsia de poder. É nesse equilíbrio instável que a série constrói um retrato da sobrevivência coletiva, mostrando como a linha entre solidariedade e destruição pode ser tão fina como o silêncio que antecede um assalto.
No percurso de Brandis, o drama ganha contornos íntimos. A relação com a família expõe as cicatrizes de um homem que tenta conciliar a fé perdida com a exigência de um trabalho que consome tudo à sua volta, enquanto os que lhe são mais próximos enfrentam também provações severas. A casa, que poderia ser refúgio, transforma-se em espelho de fragilidades e lembrança constante das ausências. «Task» sugere, mais do que mostra, que a autoridade do agente do FBI não basta para sarar feridas pessoais e que o combate contra o crime é, em simultâneo, um combate interior, feito de silêncios, distâncias e tentativas falhadas de redenção.
A realização aposta num realismo quase documental, aproveitando os cenários dos subúrbios de Filadélfia para imprimir autenticidade e densidade social. As ruas estreitas, as casas modestas e o desgaste visível da comunidade funcionam como personagens silenciosas, sempre presentes e determinantes. A fotografia prefere tons frios e discretos, refletindo a dureza da vida quotidiana, enquanto a música acrescenta tensão e melancolia, sem roubar protagonismo às interpretações.
A força de «Task» reside precisamente nesse equilíbrio entre espetáculo e humanidade. Ingelsby confirma-se como cronista das periferias americanas, alguém capaz de encontrar grandeza dramática no ordinário, e de mostrar como o crime se entrelaça com a fé, a culpa e a sobrevivência. Mark Ruffalo entrega-se a uma interpretação vulnerável, feita de silêncios e hesitações, enquanto Tom Pelphrey encarna o desespero de quem não vê saída. No final, «Task» não oferece respostas fáceis nem catarses confortáveis: o que fica é a sensação de que, nos subúrbios esquecidos, a guerra nunca termina, apenas se transforma.
Texto originalmente publicado aqui