Nas Sombras: o teatro oculto da política

Um intrigante drama político, a série francesa «Nas Sombras» foi disponibilizada, em Portugal, no Filmin. Numa realidade política de extremos e jogadas de bastidores, acompanhamos a ascensão de um candidato presidencial que se vê envolvido numa rede de intrigas, rivalidades internas e suspeitas de fraude eleitoral.

A série «Nas Sombras», em estreia no Filmin, é uma adaptação televisiva do romance político escrito por Édouard Philippe, antigo primeiro-ministro de França (2017-2020), e Gilles Boyer, o seu ex-conselheiro e atual eurodeputado. Esta colaboração literária surge da experiência direta e prolongada de ambos nos bastidores do poder, conferindo à obra uma credibilidade singular e uma densidade narrativa que nem sempre se encontra no género. Ao contrário de outras ficções políticas mais distanciadas da realidade, «Nas Sombras» mergulha com conhecimento de causa nas tensões, ambiguidades e compromissos que marcam o quotidiano da vida pública e política ao mais alto nível.

Essa herança de autenticidade transita de forma notável para o pequeno ecrã, com uma adaptação cuidada e ambiciosa, apoiada por uma realização sólida e por um elenco de excelência. A narrativa é liderada por Swann Arlaud, no papel de César Casalonga, o conselheiro leal e um dos principais estrategas da campanha, e por Melvil Poupaud, que interpreta Paul Francoeur, candidato à presidência da República. Ao seu lado, figuras como Karin Viard (Marie-France Trémeau, uma política de direita mais extremista) e Evelyne Brochu (Marylin, a face das Relações Públicas) completam um leque de personagens complexas e envolventes.

A ação decorre nos bastidores de uma campanha presidencial fictícia, mas plausível, onde o poder e a ambição colidem com valores éticos e pressões internas. Enquanto o candidato Francoeur se afirma como favorito, surgem rumores de fraude eleitoral, colocando toda a operação em risco. Casalonga, forçado a agir “nas sombras”, tenta preservar a integridade da campanha, enfrentando ataques externos e traições.

O enredo aborda de forma acutilante rivalidades partidárias, estratégias de comunicação, manipulação da opinião pública e os conflitos morais que assolam quem se move entre a verdade e a conveniência. Afinal, qual o papel destes “agentes sombra”, que criam toda a personagem que o público vê à superfície, mas cujas decisões, dilemas e concessões permanecem invisíveis aos olhos da maioria?

Entre negociações à porta fechada e decisões tomadas longe dos holofotes, é cada vez mais evidente que os jogos de bastidores políticos são tão decisivos como os discursos públicos. Um dos grandes focos da narrativa é a manipulação de informação, em particular através de estratégias digitais modernas, nomeadamente campanhas difamatórias, controlo de narrativas nas redes sociais e uso de tecnologias para influenciar a opinião pública. A série levanta questões pertinentes sobre o papel da verdade num tempo em que os factos podem ser facilmente distorcidos e a própria verdade se torna relativa.

Tudo isto está profundamente entrelaçado com dilemas morais, sobretudo na figura do conselheiro Casalonga, que se vê obrigado a equilibrar a lealdade ao candidato com a necessidade de proteger a integridade do processo. O conflito entre ambição pessoal e ética pública torna-se assim o coração da série, colocando os protagonistas perante escolhas difíceis, sendo que cada decisão tem consequências políticas e humanas.

«Nas Sombras» é, acima de tudo, um retrato inquietante e rigoroso do que é exercer o poder no mundo contemporâneo – ou procurá-lo. Ao explorar os bastidores de uma campanha eleitoral com um realismo desconcertante, a série desmonta a fachada da política para revelar as tensões, os compromissos e as cedências estratégicas que a sustentam. E que, frequentemente, permanecem “nas sombras”…

 

Texto originalmente publicado na Metropolis

 

Sara Quelhas

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