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Histórias de Bairro (2015) | Crítica

Deparei-me, hoje, com o filme «Histórias de Bairro» em grande destaque na HBO Portugal. Recordei-me, assim, da review que abaixo partilho, publicada na revista Metropolis em 2016, altura em que a longa-metragem estreava nos cinemas portugueses. Para quem gosta de “estrelas” (não é o meu caso), fica a informação de que dei 4 (de 1 a 5).

Histórias de Bairro

Da janela do meu quarto vejo o mundo. Tenho um mundo de poesia para ver“. O fado de Tristão da Silva parece emanar das paredes do prédio que, em «Histórias de Bairro» (2015), centraliza a ação e caricaturiza, caindo aqui e ali no ridículo, aquilo que é viver em sociedade. A realização e o argumento são da responsabilidade de Samuel Benchetrit, que, por esta adaptação de “Les Chroniques de l’Asphalte“, também da sua autoria, esteve entre os nomeados ao César de Melhor Argumento Adaptado em 2016.

São três as histórias que se cruzam numa habitação social de um bairro francês, bem temperadas com momentos de dor e humor. A de Sterkowitz (Gustave Kervern), o vizinho do primeiro andar que, depois de ficar de fora na reparação do elevador do prédio por considerar que não precisa dele, fica incapacitado e tem de entrar e sair às escondidas. A de John McKenzie (Michael Pitt), um astronauta norte-americano que regressa do Espaço mais cedo do que o esperado e, na incapacidade de ser resgatado de imediato, tem de morar com uma idosa árabe (Tassadit Mandi). E a de Jeanne Meyer (Isabelle Huppert), uma atriz caída no esquecimento que cria uma relação bipolar com o vizinho adolescente (Jules Benchetrit, filho do realizador).

Histórias de Bairro

A obra viaja pelo que se vê e pelo que está escondido. Os rumores de corredor são trocados pelas paredes de casa e pela solidão da noite, os únicos momentos em que se existe longe do olhar desconfiado dos vizinhos. Com um elenco de luxo, «Histórias de Bairro» (2015) vai desconstruindo a narrativa pelos espaços que percorre, apoiado num discurso simples, mas ácido, tendo sempre como pano de fundo a homenagem evidente ao inesquecível «As Pontes de Madison Country» (1995).

Longe da sua realidade, Sterkowitz finge ser um fotógrafo internacional e deixa uma enfermeira noturna maravilhada com as suas histórias – naquele contexto, ele pode reinventar-se e ser o que quiser. Já Madame Hamida, que acolhe um perfeito desconhecido em sua casa durante alguns dias, faz ressoar a relação inusitada – e as diferenças – entre as personagens de Meryl Streep e Clint Eastwood. Mais do que a cultura ou a forma de ver a vida, a principal barreira entre a idosa e o astronauta norte-americano é a língua. Jeanne Meyer, interpretada por Isabelle Hupert, é um verdadeiro olhar da atriz sobre si própria: hoje com 63 anos, Isabelle começou a sua vasta carreia aos 18. Tal com a personagem a que dá vida, rever os seus filmes antigos é recordar um tempo que não volta, mas, desesperadamente, torcer para que regresse. Porém, a beleza – e, por conseguinte, a autoestima – e as oportunidades, elementos intrínsecos à profissão do ator, não são certamente os mesmos.

Histórias de Bairro

«Histórias de Bairro» (2015) estreará, lamentavelmente, em poucos cinemas no nosso país. Este filme francês, que chega a Portugal 10 meses depois da estreia, é uma lufada de ar fresco entre os filmes da denominada silly season, com um argumento simples, mas um humor audaz ao bom estilo francês. Samuel Benchetrit, que tem aqui apenas a sua quinta longa-metragem, deixa-nos, sem dúvida, à espera do seu regresso.

 

Texto originalmente publicado em agosto de 2016

 

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