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Porque é que continuamos a ver Casos Arquivados?

A pergunta que serve de mote a este artigo pode ser difícil de responder, mas eu já fico satisfeita se forem capazes de explicar, pelo menos, o caso da minha colega de casa. Se a deixar sozinha na sala mais do que cinco minutos, o mais certo é ela já ter entrado num ciclo aparentemente sem fim de «Casos Arquivados». A certa altura, começa um choro que parece poder durar para sempre – ou até ao sinal da abertura de mais um episódio. “Mais um, mais um!”. Nunca vi uma mudança de humor tão rápida.

Casos Arquivados

Por mais que nos queixemos da falta de tempo para manter as séries em dia, a verdade é que arranjamos sempre um espacinho para ‘aquele’ guilty pleasure. Uma série que não assim tão espetacular, mas que continuamos a ver religiosamente – ou, pelo menos, quando a apanhamos no meio de um zapping. Comigo, isso acontece com as comédias de 20 minutos que não implicam pensar muito. Para a Marisa, a minha colega de casa, essa série é «Casos Arquivados» que, ainda hoje, continua a ser emitida ininterruptamente, e até vários episódios seguidos, na FOX Crime. Já não consigo ouvir o génerico; embora, na minha cabeça, o faça acompanhar regularmente pela mítica música “Ciclo da Vida”, d’ «O Rei Leão» (1994): Ingony baIngonyama nengw’ enamabala.

Confesso que já ponderei uma intervention, inspirada pela saudosa «How I Met Your Mother», mas falta-me o mais importante: ajuda. Todas as pessoas a quem recorro, sem exceção até ao momento, empatizam com a Marisa e, no caso da minha amiga Filipa, ainda se juntam à festa. Embora a centenas de quilómetros de distância, combinam ver o mesmo episódio, ao mesmo tempo, e comentam-no via chat. Caso a Marisa morasse sozinha, aposto que a box de televisão dela só ia ter episódios de «Casos Arquivados» nas gravações, com os melhores a serem guardados para rever vezes sem conta. Mas não sei qual seria o critério para definir os ‘melhores’, já que todas as histórias da série são de um sofrimento constante.

Casos Arquivados

Lembro-me de ver «Casos Arquivados» numa altura em que, provavelmente, ainda não tinha sido cancelada. Emitida entre 2003 e 2010, com um total de 156 episódios, a série é uma daquelas tramas que podemos apanhar a qualquer momento, sem grande dificuldade de perceber às quantas andamos. Apesar de não ignorar totalmente o desenvolvimento pessoal das personagens, a velha aposta da CBS segue a vertente mais procedural, concentrando o argumento sobretudo no caso arquivado que reporta. Com atores de elevadíssima qualidade (ou que entretanto se tornaram estrelas de cinema e TV) – veja-se a participação especial de atores como Diane Ladd, Frances Fisher, Melissa Leo e Zeljko Ivanek –, as narrativas bem estruturadas e cativantes ainda hoje agarram os seriólicos com relativa facilidade.

E depois a música (a música!!), retirada do ano de cada crime. O mesmo acontece com a forma como são filmados os flashbacks de cada episódio, num estilo próprio da época. Além de muitas vezes contribuir para as lágrimas, a melodia é uma constante revisitação de êxitos de outra época, de ritmos mais lentos a música rock, e uma autêntica aula cultural – que influencia diretamente a reação do espectador ao que vê. Apesar da simplicidade da estrutura, há muito trabalho nos bastidores, da pré-produção à montagem final, passando por uma direção de casting do outro mundo, que torna inegável a qualidade por detrás de «Casos Arquivados». Estarei com isto a dar razão à Marisa e aos meus amigos? Claro que não!

Casos Arquivados

As maratonas de séries como «Casos Arquivados», «Mentes Criminosas», «Castle» ou «A Teoria do Big Bang» é uma prática comum nos canais temáticos e, se muitos se queixam das repetições, a verdade é que muitos ‘mordem’ o isco. A título de exemplo, a aposta de exibição de «Anatomia de Grey» desde a primeira temporada, por parte da FOX Life, colocou o canal no topo das audiências este verão. E, se com séries novas nem sempre encontramos companhia para debater o que acontece, com estas ‘veteranas’ é quase garantido conseguir fazer conversa. Chamem-lhe saudosismo ou preguiça, ou até uma certa melancolia de regressar ao passado, mas o que é certo é que não se antecipa a saída de «Casos Arquivados» e companhia das grelhas de programação… Nem se sabe se a audiência recuperaria de tamanha tragédia – a Marisa de certeza que não.

Por seu lado, se não fosse a sua participação em «Reverie», estreada em 2018, a própria Kathryn Morris arriscar-se-ia a ser um ‘caso arquivado’. Uma das figuras incontornáves da TV na primeira década do século XXI, a atriz desapareceu praticamente nos oito anos seguintes, apenas com participações breves no pequeno e grande ecrã. Também o elenco principal, à exceção de Danny Pino e Tracie Thoms, pouco deu nas vistas depois. A situação acaba por ser algo irónica, já que estamos a falar da série que viu ‘nascer’ fenómenos como Jennifer Lawrence, Shailene Woodley, Michael B. Jordan e Paul Wesley, que tiveram participações especiais na série ainda com cara de ‘miúdos’.

Kathryn Morris

Mas, afinal, porque é que as pessoas continuam a ver «Casos Arquivados»? Se os argumentos que fui dando não vos convenceram, o ‘truque’ vai-se revelar mal se arrisquem a ver um episódio. Embora a qualidade esteja presente na série, há também um outro agente em ação, capaz de abater muitas defesas: a manipulação emocional. Esta acontece através da música, que já foi mencionada, da empatia com a vítima – a quem muitas vezes é negada a oportunidade de crescer –, e que desarma qualquer indiferença quando aparece no final do episódio, envolta em melodias poderosas e numa montagem cuidada e intencional, qual D. Sebastião. Na verdade, o facto de eu não ver «Casos Arquivados» não se trata de desprezo, mas sim de preservação pessoal (algo que a Marisa claramente não tem).

 

 

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