Autodefesa: a vida como hipérbole

Está disponível no FILMIN a série espanhola «Autodefesa», criada e protagonizada por Belén Barenys e Berta Prieto (Miguel Ángel Blanca também é criador).

Berta (Berta Prieto) e Belén (Belén Barenys) representam as emoções em ebulição de duas jovens na casa dos 20 anos, enquanto experienciam os exageros próprios da idade. Do envolvimento, pessoal e sexual, à forma como lidam com a sua contemporaneidade, Berta e Belén aproveitam os seus diálogos para analisar, de um modo quase catártico, ilusoriamente superficial, os acontecimentos que se vão sucedendo na sua vida. Mas será este comportamento reativo e de “ataque”, como se diz popularmente, a melhor forma de defesa?

O ataque é a melhor defesa” e, quando em prol da pessoa, autodefesa; o que justifica o nome da série do FILMIN. Sem grandes momentos de interpretação, com a substância a alimentar-se da falta de limites e do fator choque, «Autodefesa» é uma obra em constante movimento e mutação. Pode ser isto, mas também pode ser aquilo e, no fim de contas, uma narrativa aparentemente curta integra uma multiplicidade de histórias e sensações.

O comentário social está igualmente muito presente, numa geração que coloca praticamente a sua vida inteira nas redes sociais. Logo no arranque, um jovem com quem Berta desistiu de se envolver na noite anterior, está muito preocupado com o que ela pode dizer no Twitter. Será que ele fez algo que pode levar ao seu cancelamento pelos seus pares e desconhecidos? O seu desespero assume um modelo trágico e cómico ao mesmo tempo, que retrata como as redes sociais (e a representação das pessoas nas mesmas) tem marcado a modernidade.

Também, a certa altura, a recriação de um ídolo da juventude de Belén assume contornos muito problemáticos, que podem ser um alerta vermelho para uma conduta criminosa do homem. No entanto, o modo como, à primeira vista, isso é gerido com leviandade, mostra a falta de empatia (ou o desligamento emocional) das jovens. Há aqui um papel de desconforto para a audiência, com a ação no pequeno ecrã a significar sempre mais do que aparente à partida; levando a questionar alguns dos comportamentos das protagonistas e das storylines secundárias. Ao mesmo tempo que desafia mentalidades e mostra como os limites, por vezes, parecem existir para serem desafiados.

Por sua vez, e ironicamente, esta é também uma história de sobrevivência, metafórica e literal. A ausência de responsabilidade tem impacto direto no acerto de contas, numa realidade a todo o vapor onde, todos os meses, há contas para pagar.

 

Texto originalmente publicado aqui

 

Sara Quelhas

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