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1986: como era Portugal antes de eu nascer

Nasci quase seis anos depois de janeiro de 1986, pelo que as referências às históricas Eleições Presidenciais entre Mário Soares e Freitas do Amaral ecoavam na minha memória apenas como os resquícios de uma qualquer página de um livro de História. Até agora. Nuno Markl estreia-se na criação de séries e, a seis mãos com Ana Markl e Filipe Homem Fonseca, desafia-nos a viajar até ao passado. Às terças-feiras na RTP1.

1986

Trinta e dois anos separam o arranque da série «1986», que estreou ontem, 13, na RTP1, da altura a que esta nos remete. Nas terceiras Presidenciais após o 25 de Abril, Freitas do Amaral, do CDS, levou a melhor sobre a concorrência na primeira volta, mas não conseguiu margem suficiente e ficou agendado um segundo confronto – desta feita apenas com Mário Soares, do PS, pela frente. No meio disto tudo, ouve-se “Soares é Fixe” e os apoiantes do Partido Comunista unem esforços, contrariados, para garantir a vitória do PS. Mais vale o “Bochechas” que um “Facho”, defende o pai de Tiago (Miguel Moura e Silva), Eduardo (Adriano Carvalho).

Vinte dias separam a primeira e a segunda volta das Presidenciais, que estabelecem a temporalidade onde encaixam as aventuras de Tiago, um ‘puto’ corajoso mas tradicionalmente desajeitado, e dos seus amigos, Sérgio (Miguel Partidário) e Patrícia (Eva Fisahn). Com a política renhida nos bastidores, a história dos Markl e de Filipe Homem Fonseca traz à ribalta a eterna inadaptação dos geek, as exigências escolares e familiares da adolescência e o amor. Se este drama é comum e testemunhado pelos liceus de norte a sul do país, e atravessa gerações, o que aqui assegura a diferença é a atenção ao detalhe e o regresso de marcas caraterísticas do final da década de 80, do cinema ao vestuário, passando pelo Cola Cao.

1986

Marta (Laura Dutra) capta a atenção de Tiago, que logo se confessa apaixonado às pessoas mais próximas. Nos tempos de liceu, tudo é imediato e bem mais fácil, não fosse o twist do final do episódio piloto, “Tarzan Boy”, que deixa antever grandes complicações para o casal… Por culpa das Presidenciais, lá está. Como é que algo em pano de fundo é capaz de determinar os destinos de quem ainda nem sequer tem idade para votar? Quem precisa de obstáculos épicos quando há política, futebol e temos um crítico de cinema e comunista como pai, certo? Ou quando os gostos musicais não coincidem e os rapazes lá fazem de tudo para agradar às conquistas, até arranjar um disco dos Supertramp quando se é fã de heavy metal.

Um mega de memória RAM ou um videoclube com centenas de cassetes eram algo espectacular em 1986, mas provocam agora umas valentes gargalhadas. Tudo à boleia da criatividade de Nuno Markl, que já há muito tempo tem vindo a conquistar o público português com as suas histórias. Não há nenhum homem a morder o cão, pelo menos para já, mas há a naturalidade encantadora da década de 80, com miúdos que nasceram no tempo da ditadura e, felizmente, só conheceram a liberdade. Podem ser tudo, mas serão capazes de aproveitar essa (ainda tenra) novidade?

1986

Não me lembro de outra série portuguesa que tenha sido recebida com o mesmo hype de «1986». Desde que a RTP divulgou a sua (merecida) aposta nas produções nacionais, que a série criada por Nuno Markl deu que falar – e, ao mínimo esquecimento, ele fazia questão de nos lembrar nas Manhãs da Rádio Comercial. Se o ’13’, dia da estreia’, é realmente número de azar, Nuno Markl fez questão de o fintar com um elenco de luxo – e não, não falo apenas da miscelânea bem conseguida de atores jovens e experientes que anima o pequeno ecrã. Na banda sonora, «1986» conta com o talento de João Só, Rita Redshoes, Ana Bacalhau, Miguel Araújo, Lena D’Água, David Fonseca e Samuel Úria, entre outros. [De fazer inveja a qualquer série da HBO!]

Acabei o primeiro episódio e tive vontade de ligar a um adolescente daquela altura, atualmente a aproximar-se dos 50 – como é o caso de Nuno Markl, aliás, que parece ter encontrado aqui uma qualquer aventura semi-autobiográfica – para saber se aquilo era mesmo assim. Ou se, pelo contrário, passaram ao lado daquela euforia. Como a minha família é de uma tímida cidade do interior, acredito que a segunda hipótese seja a mais provável. Mas, enquanto não confirmo, vamos acreditar que o meu primo também fingiu gostar de Supertramp para conquistar a mulher. Dava uma história gira.

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