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Years and Years: o futuro já é tarde demais

E se realmente fosse possível saber como vamos estar daqui a 5 anos? Daqui a 10? Ou 20? A série «Years and Years», da HBO Portugal, lança as previsões.

Years and Years

Quando era mais nova, havia uma expressão que me era dita amiúde: “ri-te que logo choras” e, com ela, o sorriso era-me arrancado num instante. Como que avaliando a situação a longo prazo. É um pouco essa a sensação que fica depois de ver cada episódio de «Years and Years», a minissérie da HBO Portugal que, diga-se, ainda não teve toda a atenção que merece. Com apenas seis episódios, já todos disponíveis, a trama cria uma aura de ridículo, mas, perante a sua tremenda possibilidade, há um desconforto constante que aproxima a ficção da realidade. A banda sonora faz o resto: com agudos e sons inquietantes, deixa-nos em tensão frequentemente, enquanto as imagens se precipitam.

Emma Thompson, um dos talentos mais sonantes do Reino Unido, é uma espécie de Donald Trump ou Bolsonaro: uma figura política de direita que começa de forma quase despercebida e com ideias troçadas inicialmente pelo público, mas que, à medida que o estado social piora, vai-se aproximando cada vez mais dos cidadãos. Na brecha deixada pelo conflito, pela crise económica e pelo medo de ficar no meio do choque Estados Unidos-China, Vivienne Rook emerge e ganha apoiantes. E a sua voz, outrora confinada aos ecrãs da TV, ganha espaço político e decisório. Por seu lado, no desentendimento perante a sua figura (e não só), vão crescendo as cisões familiares.

Years and Years

Os Lyons (Rory Kinnear, Ruth Madeley, Russell Tovey e Jessica Hynes) são o motor desta narrativa, espectador e instrumento do seu avanço, através dos quais antecipamos o que aí vem. Um futuro com Trump num segundo mandato e depois no controlo do seu sucessor, Mike Pence, ou as políticas opressivas da Rússia a imporem limites à liberdade humana. É aí que entram os campos de refugiados, também muito focados ao longo de «Years and Years», nomeadamente através de Daniel Lyons (Russell Tovey) e Viktor (Maxim Baldry). Um piscar de olhos ao Brexit e à alteração de políticas, aparentemente inofensivas, mas com resultados desastrosos quando tocam diretamente às personagens.

A linguagem de «Years and Years» é brilhante. No centro tem esta família britânica, aparentemente normal, que se reúne anualmente para o aniversário da avó (Anne Reid). É nos momentos familiares que ecoam as vozes do que se passa no mundo, seja em diálogo ou notícias brutais, que vão alterando a visão que têm do que os rodeia e da sua própria realidade. Pelo meio, os argumentistas inserem, de forma competente, críticas e análises ao nosso presente, pelo olhar do futuro que nos pode esperar. Aproveita, ainda, mensagens já deixadas por séries como «Black Mirror» e «House of Cards», apontando o dedo ao avanço tecnológico e ao modo como desvirtua a realidade-padrão, sendo ainda um instrumento na diferença abismal entre ricos e pobres. Um espaço que se estende também aos bancos, à severidade da crise e às alterações climáticas.

Years and Years

«Years and Years» pega na realidade em que surge, das notícias às figuras que se vão popularizando por todo o mundo, e deixa um alerta. Bem sonoro e claro. Estaremos prontos para o futuro? A pergunta, pelo olhar da série, torna evidente a resposta: não.

 

Texto também disponível na Metropolis.

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