EXTRAS

This is Us: como quebrar um coração em 43 minutos

Lenços de papel para limpar as lágrimas, uma garrafa de água para repor os líquidos e um peluche para abraçar. É este o kit de sobrevivência salve-se-quem-puder para assistir a «This is Us», um golpe de simplicidade capaz de trucidar qualquer coração. A segunda temporada está aí e, como seria de esperar, são necessários apenas meros segundos para deixarmos cair a primeira lágrima.

Se Valter Hugo Mãe escreveu A Máquina de Fazer Espanhóis, Dan Fogelman criou uma improvável máquina de fazer chorões. Ninguém resiste ao encanto de «This is Us», a arrasadora série da NBC que, há um ano, arrancou 18 episódios e duas renovações de temporada de uma só vez. Não sabíamos ao que íamos, mas a verdade é que fomos. E, imitando o ‘jogo do telefone’, fomos recomendando «This is Us» ao nosso círculo de amigos, como um bebé que se passa de mão em mão com muito cuidado. De forma tão eficaz que era impossível ficar indiferente ao terramoto provocado por um dos sucessos menos esperados da temporada televisiva e, uns meses depois, a FOX Life trouxe o tesouro menos bem guardado de 2016 diretamente para nossas casas.

É difícil falar de «This is Us» sem estragar o encanto da sua premissa. (Se não viram o episódio piloto vão já ver e venham acabar de ler o artigo depois.) Tudo se interliga de uma maneira tão simples, e ao mesmo tempo tão mágica, que no desfecho do primeiro episódio já estamos inevitavelmente encantados. No entanto, não há relações sem desgostos, pelo que a viagem comandada pelo criador Dan Fogelman é um turbilhão de emoções e, inevitavelmente, corações partidos. Numa altura em que se critica tanto a replicação de fórmulas e o esquecimento do papel do espectador, cada episódio de «This is Us» é uma lição apaixonante sobre como é possível marcar cada um dos elementos do público. A unicidade, essa, está na forma como cada um de nós sente.

Para mal dos pecados de Miguel (Jon Huertas), é praticamente impossível não adorar Jack Pearson (Milo Ventimiglia). Ainda assim, é igualmente impossível evitar a curiosidade mórbida de querer saber como morreu esta personagem. Veja-se a corrida desenfreada da primeira temporada – pelo tempo, pelo espaço e por nós próprios – para depois Dan Fogelman nos tirar o tapete no último momento possível, como que troçando da ligação tão íntima que criámos com a ficção. Além disso, o golpe imperdoável na aparente perfeição partilhada por Jack e Rebecca (Mandy Moore) pôs um ponto final na utopia dos contos de fadas. Assim, de coração nas mãos, fomos obrigados a aguentar largos meses de hiatus.
E eis que aqui chegamos, ao ponto de onde julgávamos já ter saído. Não é preciso muito para, no lançamento da segunda temporada, voltarmos aos vícios antigos e acabarmos a sentir as lágrimas a escapar. O truque é fácil, aprendemo-lo ao longo de 18 penosos episódios, mas nem por isso aprendemos a contorná-lo. O regresso (possível) de William (Ron Cephas Jones) é um poema imagético, como é marca da personagem, que cimenta a sua influência na narrativa de «This is Us» e, por conseguinte, em cada pessoa da audiência. Todos nós, de uma forma ou outra, temos um William na nossa vida e, confrontados por ele numa altura em que não contávamos com isso, e com as defesas em baixo, somos, em segundos, lembrados do que sofremos no passado com a série da NBC. E de como isso se vai repetir novamente. (Raios!)

Os Big 3 – Kate (Chrissy Metz), Kevin (Justin Hartley) e Randall (Sterling K. Brown) – chegam-nos, no presente, numa fase adulta, mas nem por isso mais resolvida. Nas suas inseguranças encontramos as nossas, enquanto as suas relações são um espelho improvável daquelas que partilhamos quotidianamente. No fundo, o que há de mais especial em «This is Us» é não ter nada de especial. Quer isto dizer que, embora o resultado seja avassalador, não há na narrativa, ou no respetivo fio condutor, nada de muito complexo: a sua simplicidade, que em vez de fraqueza vira trunfo, leva a que as surpresas sejam encontradas no pormenor ou, como na vida real, na sorte ou no azar que moldam os nossos dias. Sem clichés ou fórmulas evidentes, vamos para «This is Us» sem saber o que esperar. E, mesmo quando temos finais como o do último episódio, exibido em Portugal na quinta-feira, 28, não é certo que saibamos o que aí vem.
Em «Galavant», Dan Fogelman deu-nos música e, após o cancelamento desta, regressou decidido a ‘vingar-se’. Embora já tivesse provado o seu valor, seria difícil prever uma entrada tão bombástica na rentrée televisiva de 2016. É aqui que entra o argumento mais firme de «This is Us»: o forte da série é o seu elenco e tem dois Emmys para prová-lo (e sete nomeações no total). Na cerimónia, Sterling K. Brown, que já na edição anterior tinha sido premiado por «O Caso de O.J. – American Crime Story», levou a estatueta de Melhor Ator de Drama, enquanto Gerald McRaney venceu na categoria de Melhor Ator Convidado.

Sara Quelhas

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