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Absentia: o grito do Ipiranga de Stana Katic

A nova série do AXN Portugal promete, e muito. Tanto que se arrisca a não ser capaz de cumprir. Com um argumento sólido e um elenco mais fraco do que «Castle», «Absentia» arrisca-se a depender, em demasia, da sua atriz principal.

É, de certa forma, irónico que a atriz Stana Katic – mais conhecida pelas oito temporadas em «Castle» – diga ‘presente’ com uma série baseada na ausência da protagonista a que dá corpo, Emily Byrne. Seis anos depois do seu desaparecimento – e da condenação do presumível culpado –, a agente do FBI é resgatada pelo marido Nick Durand (Patrick Heusinger), que refez a sua vida, e a do filho, ao lado de outra mulher, Alice (Cara Theobold). O mote de «Absentia» só fica completo com um ingrediente brutal: Emily não se recorda de nada do que aconteceu enquanto esteve em cativeiro. Eis as peças de um dos puzzles mais apetecíveis da nova temporada televisiva.

A realização sombria e fria de «Absentia» lembra obras entretanto desaparecidas como «Game of Silence», «The Bridge» ou «The Killing», alimentando o mistério com uma forte dose de intriga no argumento. Assim como acontecia nas séries mencionadas, a narrativa é sustentada pelas personalidades fortes que compõem o elenco, ainda que em «Absentia» tal se resuma essencialmente a Stana. Os restantes atores, competentes, são evidentemente menos carismáticos e, a espaços, não conseguem atingir as exigências emocionais da cena. O que, em contrapartida, é compensado pela forma como a sequência é filmada e pela ‘banda sonora’ crua e direta que a acompanha.

A premissa é complexa e tem a seu favor o facto de conseguir prender o espectador: Emily Byrne pode, afinal, não ser tão vítima quanto parece. Neste momento, a audiência deixa de ser apenas observadora para, do conforto do sofá, criar uma relação com a personagem principal. Assim que se envolve, não há volta a dar – estamos ‘agarrados’ para mais um episódio. Ao contrário do que acontecia em «Castle», Stana não partilha sorrisos nem piadas, algo que era imagem de marca de Kate Beckett, nomeadamente na interação com Richard Castle (Nathan Fillion). Embora não surpreenda no género, uma vez que a atriz se mantém como agente da autoridade, o papel é mais denso e obscuro – e a série não tem qualquer momento de humor.

Contra si, «Absentia» tem-se a si própria. Com uma ideia tão ambiciosa, a maior ameaça ao sucesso da série é não ser capaz de responder às exigências que cria logo no primeiro episódio. Além disso, o facto de o elenco ser genericamente ‘esquecível’, à excepção de Stana e do vilão anunciado Conrad Harlow (Richard Brake) – e de alguma surpresa que surja entretanto –, enfraquece o argumento e as interações entre as personagens. Como tal, «Absentia» arrisca-se a não passar de um golpe de marketing suportado pela atriz que, como se percebeu com o cancelamento de «Castle» na sequência do anúncio da sua saída, tem fãs capazes de influenciar decisões.

Às margens do Ipiranga, a 7 de Setembro de 1822, aquele que viria a ser proclamado Pedro I, o primeiro imperador do Brasil, defendeu a independência do nosso ‘país irmão’. O momento, preservado pela História, ficaria conhecido como o “Grito do Ipiranga”. A história do ‘grito’ da atriz Stana Katic, que até há pouco tempo dava vida a Kate Beckett em «Castle», é bem menos emblemático, mas igualmente sinal de uma luta pela independência – que pode não ter o mesmo final feliz.

Pouco ou nada se destaca no currículo de Stana além de «Castle». Entre 2009 e 2016, a atriz dedicou-se quase em exclusivo à série coprotagonizada com Nathan Fillion. Ao contrário de Beckett, o desfecho da atriz não foi feliz: depois de uma renovação de contrato complicada, onde exigiu um (merecido) aumento, Stana entrou para a oitava temporada com a sentença de despedimento escrita. Dúvidas houvesse, a produção anunciou perto da finale que, para reduzir custos, iria dispensar Stana e Tamala Jones, que interpretava Lanie; além de limitar os locais de filmagens. A revolta dos fãs da atriz foi tão audível que a ABC não teve outra hipótese senão cancelar a série e avançar com o final alternativo em que Beckett, afinal, não morria. Será que os ‘Stanatics’ vão ter a mesma força para renovar «Absentia»?

 

 

Este artigo foi originalmente publicado na Metropolis.

Sara Quelhas

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