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Braga: um mistério no Bom Jesus

A RTP1 estreia hoje, 7, a série «Braga», criada por Tino Navarro e coescrita com Tiago R. Santos. O mistério começa a desenhar-se a partir das 21 horas (também ficará disponível na RTP Play).

O Padre António (Hélder Afonso) regressa às origens em busca do seu lugar, na vida e na religião, mas cedo encontra a oposição da Igreja. Alguém com as suas ideias e com o seu passado – inicialmente desconhecido para a audiência – não pode guiar uma comunidade religiosa. À margem do clero, e da própria sociedade com a qual existe uma barreira, António caminha pelas ruas, sem pertencer verdadeiramente a um lugar. Um acontecimento interessante, já que este seria o prometido regresso a casa.

No entanto, desengane-se quem acha que está é tão-somente uma jornada espiritual. Desde cedo António contacta com o seu lado humano e com a tentação, presente no discurso e nas atitudes de quem o rodeia. A diferença entre o certo e o errado, e a sua noção de ambos, é ínfima e depressa se confunde. Será que, com as atitudes supostamente erradas, António está, afinal, a fazer o que é correto?

A sociedade de Braga, e das suas comunidades mais pequenas, também vive as suas provações, de maior ou menor exigência. A juventude perdida no seu caminho; as forças da autoridade na luta pelos seus direitos; o preconceito de alguns elementos dessa mesma força; a marginalização da comunidade cigana (com atitudes louváveis perante os atos menos sérios das “pessoas de bem”); a violência sobre a infância mais desfavorecida; a maldade presente em elementos da Igreja supostamente intocáveis. São muitos os tópicos que poderíamos elencar, já que «Braga» é bastante rica na sua crítica social.

O argumento segue em crescendo, entre o passado e o presente, para construir o imaginário de um crime que tem lugar no Santuário do Bom Jesus de Braga. Se esta não é maior ironia da série…

Com a morte de Carlitos (Luís Henrique Matos), a criança cigana inicialmente ajudada por António, está lançado o mistério. E temos de fazer uma viagem no espaço e no tempo para perceber não só o culpado (ou culpados), mas também os segredos que sabia Carlitos e a obscuridade presente em «Braga». Um mistério que se quer denso, mas que, na sua complexidade, se alastra a várias storylines e comentários sociais e até de classe.

Numa altura em que tanto prolifera a aposta televisiva, há que também dar a devida oportunidade às criações portuguesas. Uma semana depois de «Rabo de Peixe» ter ecoado além-fronteiras após a sua estreia na Netflix, convém não esquecer que na televisão há outros conteúdos de qualidade à espreita. E, mesmo não sendo uma história factual, existe em «Braga» muita verdade e genuinidade narrativa.

O elenco conta ainda com nomes como Carolina Frias, Tiago Sarmento, Salvador Gil, Patricia André, Marco Paiva, João Maria Maneira e Carlos Sebastião, entre outros.

Texto originalmente publicado aqui

 

Sara Quelhas

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