The Handmaid's Tale
© 2021 MGM Television Entertainment Inc. and Relentless Productions LLC. All Rights Reserved

Tive acesso antecipado aos primeiros episódios de «The Handmaid’s Tale», que tem estreia em dose tripla já esta quinta-feira, 29, no NOS Play. Descobre o que esperar da quarta temporada da série multipremiada, que teve o seu regresso adiado por causa da pandemia de Covid-19.

The Handmaid's Tale
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You either die a hero, or you live long enough to see yourself become the villain” [traduzido será algo como “ou morres como um herói ou vives o suficiente para te tornares o vilão”]. Permitam-me que recorra ao cinema para estabelecer o ambiente da quarta temporada de «The Handmaid’s Tale». Começo por esta frase retirada de «O Cavaleiro das Trevas» (2008). O prolongamento da narrativa publicada por Margaret Atwood em 1984, cuja ação coincidiu com o final da primeira temporada da série da Hulu – que em Portugal é emitida pelo NOS Play –, atribuiu novas camadas à realidade distópica de Gilead. Mas, e sobretudo, à sua protagonista June Osborne (Elisabeth Moss).

Como vimos, e de forma contundente, na terceira temporada, os acontecimentos de uma vida de ditadura e tortura mudaram incontornavelmente June. Heroína declarada desta história, foi-se transformando ao longo das temporadas, tendo inclusivamente atitudes que não se coadunam (à partida) com as de uma heroína. É certo que esta questão é discutível, até porque temos de inserir o seu comportamento na big picture, mas não deixa de ser um ponto fulcral da extensão desenvolvida por Bruce Miller. Não só o criador transformou (por necessidade) a história idealizada por Atwood, como fez o mesmo com a sua personagem principal.

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Já por algumas vezes comparei «The Handmaid’s Tale» a um ciclo vicioso. Por mais voltas que a trama dê, fica a sensação de que June volta sempre ao mesmo sítio. E é aqui que recupero novamente o cinema para ilustrar a minha opinião sobre a série, e esta temporada: June habita uma espécie de «O Feitiço do Tempo» (1993) [Groundhog Day, filme onde o mesmo dia se repete consecutivamente] não estático, onde a inserção no mesmo tipo de ambientes tem sempre um impacto diferente, pelo que também a personagem de Moss sofre mudanças e sai dali diferente, uma e outra vez. Preparem-se, porque vem aí a fase mais obscura da ex-serva dos Waterford e dos Lawrence.

 

The Handmaid’s Tale: Nada se perde, tudo se transforma

Depois de conseguir extrair 86 crianças e 9 Marthas de Gilead para o Canadá, June é vista como uma celebridade pelos seus pares, assim como pelas pessoas que foi salvando pelo caminho. Para desgosto, claro está, da Tia Lydia (Ann Dowd), que continua a ser enganada com sucesso pela personagem principal. Embora aparente ter um ar imbatível, a verdade é que acumula derrotas e não há forma de travar a onda crescente de descontentamento entre as handmaids. O conflito aberto conta com mais alguns “parágrafos” nesta nova temporada, sobretudo na sequência da “calamidade” que significou a extração de quase uma centena de crianças, possivelmente o bem mais valioso para Gilead. Também Joseph Lawrence (Bradley Whitford) parece não ter muitos amigos, após apoiar a trapaça organizada por June e Mayday.

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No ar, paira uma falsa sensação de liberdade, que June, em fuga, não deixa perpetuar: “nós não somos livres”, rebate logo no primeiro episódio. Não é possível ser livre no país em que vivem. O choque é praticamente imediato com uma das aquisições mais sonantes da nova season, a jovem-talento Mckenna Grace, que interpreta a bipolar Mrs. Keyes. A esposa do idoso Comandante Keyes é um forte apoio para a Resistência, que tenta organizar as servas que conseguiram escapar ao sistema. A interação entre Keyes e June ajuda a estabelecer o ambiente de desespero e euforia que convive, ao mesmo tempo, em «The Handmaid’s Tale». No entanto, como bem sabemos, toda a calma aparente dura pouco tempo para estes lados.

Se, na terceira temporada, Fred Waterford (Joseph Fiennes) disse a Luke (O-T Fagbenle) que não seria capaz de reconhecer June, transfigurada pela vivência em Gilead, Rita (Amanda Brugel) apresenta uma perspetiva mais otimista: “a Gilead traz o pior das pessoas, mas na June trouxe o melhor”. Mas será que as mudanças da protagonista significam uma melhoria? Ou, em sentido oposto, uma destruição quase total da capacidade de empatia, levando a que a causa, abstrata, seja mais importante do que vidas isoladas? Estará June a perder a sua humanidade? As respostas não são conclusivas, e uma coisa é certa: June terá cada vez menos a capacidade de ser uma protagonista consensual, o que enriquece, a experiência de visualização, sobretudo numa série que já leva quatro temporadas.

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Outras das relações que importa destacar é a de June e Janine (Madeline Brewer). A primeira mentiu a Janine na T3, dizendo que o filho Caleb estava vivo, para a convencer a ajudá-la, mas deverá ser uma questão de tempo até esta mentira ser confrontada. Por sua vez, o papel de Nick (Max Minghella) no regime ganha também maior relevância, assim como os confrontos em Chicago com os cidadãos que lutam pela sua liberdade. Desengane-se, portanto, quem acha que é apenas June que se arrisca a ser reanalisada pela audiência que tem torcido por ela desde o primeiro episódio.

Após uma terceira temporada de contexto, muito utilizada para solidificar esta transformação de June (que assim não nos chega out of character), a quarta season marca um reencontro com a ação mais acelerada, que força o confronto coletivo e não as lutas individuais (que permanecem, é certo). A nova trama quer impulsionar a narrativa para a frente, de modo a quebrar o ciclo vicioso mencionado mais acima, ainda que fique a dúvida se será esse o próximo passo no horizonte para «The Handmaid’s Tale». Ao mesmo tempo, a série desconstrói Fred e Serena (Yvonne Strahovski), por um lado, e Moira (Samira Wiley) e Emily (Alexis Bledel), por outro, tirando assim estas personagens, integrantes do núcleo central, da sua zona de conforto. É-lhes exigido mais, e o público certamente agradece.

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Pouco restará dizer sobre o talento estrondoso de Elisabeth Moss, que continua a cumprir, na perfeição, o seu papel como June. Ainda assim, é revelado mais um lado da atriz, que passa agora também para trás das câmaras, realizando três episódios (o 3.º, o 8.º e o 9.º). De notar ainda a banda sonora, que mantém uma identidade muito própria e até uma linguagem intranarrativa, que pauta com estrondo o ritmo da ação.

Os três primeiros episódios de «The Handmaid’s Tale» são disponibilizados no NOS Play quinta-feira, 29, um dia depois da estreia nos Estados Unidos. A partir daí, há um episódio novo todas as semanas.

 

Texto originalmente publicado aqui

 

 

https://www.youtube.com/watch?v=rg_160Be71g

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