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La Casa de Papel: o “hype” tem razão de ser?

Tornou-se impossível escapar à euforia em torno de «La Casa de Papel». A aposta espanhola chegou com estrondo à Netflix e, de um momento para o outro, muitos recomendavam a série e quem não assistia sentia-se um autêntico extraterrestre. Mas será que o hype é merecido? Eu fui assistir à série (finalmente!) e escrevo sobre isso.

La Casa de Papel

Tudo começou sem que ninguém se apercebesse: pormenores quase impercetíveis aqui e a ali, mudanças de discurso e de comportamento, e até sinais que agora parecem óbvios, mas que, à data, só foram detetados quando já não havia nada a fazer. É certo que esta descrição faz lembrar a narração de Offred (Elisabeth Moss) em «The Handmaid’s Tale», mas também encaixa como uma luva no fenómeno estrondoso de «La Casa de Papel». Embora reconheça que se trata de uma descrição algo dramática do buzz em torno da série, a verdade é que a rapidez e “matreirice” com que se estabeleceu, mal foi lançada mundialmente pela Netflix, podiam muito bem fazer parte da trama de um filme.

Quando o rastilho foi ateado, tornou-se impossível de travar. Primeiro, foram os meus amigos a invadir as redes sociais: estavam “viciados” numa qualquer série espanhola e queriam saber se havia mais gente como eles. Havia, sim, e o número aumentava assustadoramente dia após dia. Depois, foram os meus colegas de trabalho, mais velhos do que eu, e, normalmente, mais recetivos a aceitar sugestões de séries do que a tomar a iniciativa. Por fim, a imprensa não ficou indiferente ao êxito inesperado da criação de Álex Pina e, um pouco por todo o mundo, fez-se correr muita tinta sobre a nova série da Netflix.

La Casa de Papel

“Já viste «La Casa de Papel»?”. Perdi a conta ao número de vezes que ouvi esta pergunta e, sendo a resposta invariavelmente a mesma durante meses, já era excluída das conversas de café (ou excluía-me, a fim de evitar spoilers). Assim que a euforia inicial encontrava o final da primeira temporada, muitos desesperavam, cheios de curiosidade, e contavam os dias para o regresso; todavia, a espera não foi longa, já que a Netflix apenas dividiu a temporada original, com um hiato breve, e tornou os episódios mais curtos, “americanizando” o formato da série. Já eu, que assistia de fora a todo este processo, interessante para quem gosta de tudo o que envolve o pequeno ecrã, ficava cada vez mais curiosa em relação ao motor por detrás disto tudo.

 

O mundial da Espanha começou aqui

A premissa de «La Casa de Papel» é aparentemente simples: um homem misterioso, baptizado por si próprio como “Professor”, decide reunir um grupo de criminosos – desconhecidos entre si – e levar a cabo o maior assalto da história de Espanha. A narrativa torna-se inusitada quando percebemos que a personagem de Álvaro Morte quer assaltar a Casa da Moeda e fazer o seu próprio dinheiro, para que este não possa ser rastreado. A ideia até pode ser de génio, mas será que os assaltantes com a máscara de Salvador Dalí podem ser bem-sucedidos?

La Casa de Papel

Desengane-se quem pensa que esta é apenas mais uma tradicional série de ação. Embora o ritmo marque presença, a série espanhola sabe explorar a influência de outros géneros, nomeadamente a comédia e o romance, reforçando assim o interesse do público e tornando a aventura mais interessante. A qualidade de imagem e edição também é uma evidência, e a sua “assinatura” cinematográfica motivou rapidamente comparações com aquilo que é feito nos Estados Unidos. Embora seja vista como um elogio, esta caraterização acaba por “castigar” a identidade europeia do projeto, que tem mérito próprio e não depende em demasia de nenhum estilo.

Tendo em conta a multiplicidade de personagens centrais, Álex Pina opta por pegar numa das suas personagens menos consensuais, interpretada por Úrsula Corberó e mais tarde conhecida por “Tóquio”. A escolha é ousada, por um lado, e essencial para a audiência se interessar pelo que vai acontecer, por outro. Isto porque, embora não seja a figura mais adorada da série, Tóquio é capaz de despertar uma reação no espectador, seja esta de amor ou ódio, e, ao mesmo tempo, permite uma introdução faseada ao que vai acontecer. Em termos de argumento, este truque é fundamental para o interesse prematuro do público, que se poderia facilmente perder se «La Casa de Papel» apostasse numa abordagem mais superficial.

La Casa de Papel

O segundo “íman” narrativo é o “Professor”, mais consensual e essencial para concentrar todos os elementos físicos e ficcionais. A representação de Álvaro Morte é cativante e, à medida que o tempo avança, damos por nós a admirar a sua inteligência, ou seja, a forma como o golpe e os seus possíveis imprevistos foram antecipados ao longo de anos. Mais do que um assalto ou um misto de flashbacks – estes últimos contribuem para melhorar o ritmo e tornar a narrativa mais leve –, «La Casa de Papel» é uma combinação ganhadora das principais influências que marcam a televisão da atualidade.

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Não, «La Casa de Papel» não é a melhor série de sempre (e não há problema nenhum com isso)

Mas, afinal, tem o hype razão de ser? Sim, se for apresentado com moderação. «La Casa de Papel» é uma das surpresas mais agradáveis da história recente da televisão, mas está num nível inferior quando comparada com séries como «The Handmaid’s Tale», «Westworld», e até «Stranger Things». Quer isto dizer que, apesar de o fenómeno ser interessante de analisar, a euforia excessiva pode mesmo penalizar a série, não no que diz respeito ao seu sucesso, mas sim à captação de novos públicos.

La Casa de Papel

Com a recomendação de «La Casa de Papel» vêm, por diversas vezes, os elogios entusiastas. Entre as “nomeações” dos fãs a melhor série do ano (e até de sempre), a fasquia é colocada exageradamente lá em cima e castiga, ainda que não intencionalmente, a reação de novas audiências à série – caso esta não corresponda às expetativas, que vão sendo construídas com base nas opiniões que ouvimos. As repercussões, essas, já são maniatadas pelo hype que, se no início foi crucial para o sucesso, é agora um “empecilho” difícil de contornar.

Depois de assistir a «La Casa de Papel», é fácil perceber como atraiu tanta gente: existem maneirismos e tendências que já provaram ser um sucesso noutras apostas, e que quando combinadas têm um resultado arrasador. É questionável, no entanto, a euforia que foi atingida perante o êxito prematuro da série criada por Álex Pina, no sentido em que atingiu um nível totalmente histórico e que, inevitavelmente, vai ser difícil de manter com uma segunda temporada. Seria esta uma história para apenas uma temporada, ou há ainda caminho a percorrer? Vamos ver…

Artigo completo na Metropolis número 61.

 

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