A pergunta, inscrita no poster promocional, persegue-nos em cada minuto do primeiro episódio da nova série de Naomi Watts. Quem és tu quando ninguém está a ver? Jean Holloway é Diane: livre, sonhadora, jornalista. Mas a única coisa que escreve é a sua própria condenação. Eticamente reprovável e narrativamente brilhante, «Gypsy» é uma montanha-russa de emoções e um desafio à nossa (in)consciência.
Sempre nos alertaram para os monstros escondidos debaixo da cama, mas o que acontece quando estes se movem à superfície? Não há nada de especial na psicóloga Jean Holloway (Naomi Watts), para o bem e para o mal. É essa a sensação imediata que «Gypsy» oferece, apresentando-a no meio de um emaranhado de pessoas que sai de um comboio. Temos um déjà vú de rotina que desperta a nossa curiosidade. Não sabemos de onde veio ou para onde vai. Mas quando se trata de Naomi Watts, já sabemos que vamos atrás. A personagem banal ganha, com ela, profundidade a cada diálogo, a cada movimento – mais ou menos seguro – e, sobretudo, a cada silêncio.
Sim, é nos momentos de pausa, ou alheamento da realidade por parte de Jean, que encontramos os primeiros sintomas da sua incoerência. E isso deixa-nos desconfortáveis. Nada nela é natural: os movimentos no Gabinete de Psicologia são erráticos (e eticamente questionáveis) e a existência enquanto Diane transpira uma insegurança constante. No entanto, por esta altura já sabemos para onde vai. A psicóloga está investida na ex-namorada de Sam (Karl Glusman), um paciente que tem dificuldade em superar o fim do relacionamento com a entusiasmante Sidney (Sophie Cookson). Entusiasmo, aquilo que a rotina de Jean não tem. E a de Diane?
Segue-se a filha de Claire (Brenda Vaccaro), a mãe controladora que claramente não sabe respeitar os limites individuais. Intrigada com o afastamento de Rebecca (Brooke Bloom), Jean cruza-se com ela ‘por acaso’, sem revelar novamente as suas motivções. Numa sucessão de atos irracionais, torna-se um vício ser outra pessoa. As duas facetas de Jean chocam, e chocam-nos, como dois lados de uma moeda. O certo e o errado. O ético e o reprovável. O consciente e o inconsciente. A personagem de Naomi Watts mergulha numa alegoria sombria, onde é uma gypsy [cigana, em português]. Viaja numa rota quase itinerante, entre a realidade e o submundo que cria para si, anunciando aos que a rodeiam o futuro – ou como devem lidar com ele. Ainda assim, a maneira (supostamente) imparcial de analisar os seus pacientes não tardará a ‘embater’ com a rede obscura que Diane vai atalhando.
Além disso, o piloto marca ainda o regresso à realização de Sam Taylor-Johnson, ‘desaparecida’ desde «As Cinquenta Sombras de Grey» (2015). O seu estilo visual extravagante, que tem marcado uma carreia humilde, assume o protagonismo de The Rabbit Hole [A Toca do Coelho, em português], numa verdadeira descida ao País das Maravilhas. No entanto, este é um mundo muito menos mágico e glamouroso do que o de Alice. Os planos elétricos da realizadora colocam Naomi Watts, o principal trunfo da série, em evidência, tornando percetíveis para o espectador as mudanças que Jean vai experienciando. «Gypsy» é uma aposta contracorrente e inovadora, nesta altura de mais-do-mesmo e de repetições. É, por isso mesmo, um risco – que tem 10 episódios para provar que valeu a pena.
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