EXTRAS

Emmys: café, Rennie e muita calma nessa hora

Depois de muita desilusão, “discussão” e apenas três horas dormidas, encontra-se por fim algum discernimento para abordar os resultados dos 70º Primetime Emmy Awards, que decorreram ontem em Los Angeles. Para quem se queixa que nestas cerimónias nunca há surpresas, os Emmys vieram provar que estão errados: Regina King partiu em último para “roubar” a estatueta no último instante e «The Handmaid’s Tale», a grande vencedora de 2017, saiu sem qualquer prémio nas principais categorias. O trono mais desejado da noite, esse, foi para a suspeita do costume: «A Guerra dos Tronos».

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VENCEDORES

No meio de tanta revolta em torno de alguns resultados, a audiência tem passado um pouco ao lado do acontecimento mais marcante: a Netflix tanto ameaçou que igualou, para já, a toda-poderosa HBO. Ontem, 17, foram 23 Emmys para cada um. Após bater o canal no total de nomeações – a Netflix tinha 112 indicações e a HBO 108 –, o serviço de streaming estragou a onda de vitórias do canal, que não encontrava concorrência à altura há 16 anos. Mesmo com «Stranger Things» sem qualquer vitória (nem em categorias “menores”, como tinha acontecido em 2017), a Netflix encontrou a sorte em apostas bem-sucedidas como «Sem Deus», «The Crown» e até na mal-amada «Seven Seconds».

Se antes parecia haver um certo preconceito em relação ao streaming, nomeadamente no Drama, até pelo desprezo constante ao fenómeno «House of Cards» (e não só) – sem prémios de grande expressão – , este ano as diferenças esbateram-se, para mal dos pecados de aparentes favoritas como Penélope Cruz, Laura Dern ou Elisabeth Moss. No entanto, as surpresas não se ficaram pela Netflix: a HBO encontrou em «Barry» uma série capaz de bater «Atlanta», tida como vencedora anunciada nas categorias de representação masculinas, e Thandie Newton, de «Westworld», emergiu perante a força de «The Handmaid’s Tale», que tinha três atrizes na luta de Melhor Atriz Secundária (Drama).

COMÉDIA: Afinal, foram «Barry» e «The Marvelous Mrs. Maisel» que se ficaram a rir

É certo que as vitórias de «Barry», da HBO, nas categorias de Melhor Ator e Melhor Ator Secundário – para Bill Hader e Henry Winkler, respetivamente –, não são propriamente um acontecimento inesperado, mas sim a ausência de «Atlanta» entre os vencedores. Com os elogios à segunda temporada e «Veep» fora da corrida, «Atlanta» parecia ter o caminho aberto para fazer a festa, ainda que «The Marvelous Mrs. Maisel» fosse discutir o Emmy de Melhor Série até ao fim (tendo mesmo sido eleita a vencedora). Donald Glover, aliás, até se terá vestido como o seu alter-ego e vilão Teddy Perkins para receber o prémio, ainda que alguns meios defendam que não era o ator por baixo do fato. A verdade é que era Teddy a ocupar o seu lugar, e Bill Hader fez mesmo questão de o cumprimentar antes de subir ao palco – revelando um papel branco, o discurso, na mão esquerda do interlocutor. Assim como Michael Keaton no Óscar perdido para Eddie Redmayne, também Donald não o chegou a usar.

Menos surpresas houve nas categorias de representação femininas, onde Rachel Brosnahan confirmou o seu estatuto de nova Julia Louis-Dreyfus, que não pôde manter a sua ronda de vitórias consecutivas porque «Veep» não teve novos conteúdos lançados no último ano. A atriz e a sua «The Marvelous Mrs. Maisel» continuam a conquistar o público e a crítica, sendo que para o ano terão de mostrar o que valem perante o regresso de «Veep» para a despedida e o crescimento de séries como «Barry», «Atlanta» e «GLOW». Já Kate McKinnon falhou o hattrick por culpa dessa mesma série, que lançou Alex Borstein para o segundo Emmy, depois de há cerca de uma semana ter sido premiada pela dobragem na série «Family Guy». Não esquecer que a criadora Amy Sherman-Palladino foi premiada por Melhor Argumento e Melhor Realização, perfazendo um total de sete Emmys para «The Marvelous Mrs. Maisel», que já contava com dois Globos de Ouro.

SÉRIE LIMITADA: Versace não domina, mas vence no final por KO

Enquanto «Sharp Objects» não chega para limpar tudo nos Emmys, algo “agendado” para 2019, a Netflix e a FX protagonizaram um duelo interessante. Ao contrário do que se previa, Penélope Cruz não ganhou a corrida para Melhor Atriz Secundária, talvez com a “ajuda” da divisão de votos com Judith Light, também de «O Assassinato de Gianni Versace: American Crime Story». Isso permitiu a ascensão ao topo do pódio da runner up Merrit Wever, de «Sem Deus», que voltou a ser coroada no principal palco da TV depois de «Nurse Jackie» (desta vez com o discurso preparado). A série da Netflix contou ainda com o Emmy de Melhor Ator para Jeff Daniels, que também estava nomeado nos secundários por «The Looming Tower», mas falhou o triplete com Michelle Dockery entre as atrizes principais. Empatada com «O Assassinato de Gianni Versace» nos atores, «Sem Deus» saiu derrotada na Realização (Emmy para Ryan Murphy) e no argumento – Emmy para “USS Callister”, de «Black Mirror», que já tinha sido eleito Melhor TV Movie.

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Não se esperava surpresas e Darren Criss venceu a concorrência para ir buscar o primeiro Emmy da carreira. O ator, que tem feito sucesso na Broadway, tem agora mais portas abertas, isto depois da ausência do pequeno ecrã após o final de «Glee», em 2015. Com um discurso emotivo, o carismático Blaine Anderson, agora eternizado como o terrível assassino em série Andrew Cunanan, parecia, tal como Bill Hader, um “puto” genuinamente incrédulo e feliz. Por sua vez, na disputa de Melhor Atriz, Regina King não conseguiu esconder o choque e, quando chegou ao palco, perguntou “Really?!. Laura Dern, do TV Movie «The Tale», era a grande favorita à vitória, que já tinha alcançado em 2017 com «Big Little Lies» na categoria secundária, e Jessica Biel surgia logo de seguida graças ao seu maior papel da sua carreira até ao momento, em «A Pecadora».

DRAMA: Memória tramou Tatiana Maslany e premiou «A Guerra dos Tronos»

Com «Orphan Black» terminada há mais de um ano, poucos acreditavam na vitória da sua protagonista, Tatiana Maslany (que marcou presença na cerimónia com o colega de elenco Kristian Brunn), até porque o prémio parecia já pronto a entregar a Elisabeth Moss ou Keri Russell, como homenagem na sequência do final de «Os Americanos». Quem teve honras de despedida foi Claire Foy, que, assim como Regina King, não foi capaz de disfarçar a surpresa. O mesmo para Thandie Newton, que se julgava fora da corrida perante o trio de «The Handmaid’s Tale». Com Yvonne Strahovski aparentemente em vantagem, apesar de competir com as vencedoras de 2017, Ann Dowd e Alexis Bledel, a verdade é que a Academia não votou em força numa delas e quem ganhou com isso foi «Westworld». Incapaz de repetir as vitórias nas categorias técnicas, a série da HBO entrou pela primeira vez nos Emmys principais.

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Peter Dinklage veio mostrar que a audiência não se tinha esquecido de «A Guerra dos Tronos», apesar de não haver episódios novos há mais de um ano, ao “limpar” o prémio de Melhor Ator Secundário perante a concorrência de David Harbour e Matt Smith, conquistando o terceiro Emmy pela série inspirada nos livros de George R.R. Martin. Apesar de ser uma categoria bem composta, em Melhor Ator já se antecipava o triunfo de Matthew Rhys, pelo seu trabalho brilhante em «Os Americanos», tantas vezes esquecido pelos Emmys.  Já se sabe que a Academia gosta de dar alguns prémios de despedida e as vitórias de Claire e Matthew vieram confirmar isso mesmo. «The Handmaid’s Tale» viu a goleada ser confirmada ao fechar do pano, com «A Guerra dos Tronos» a vencer novamente como Melhor Série – algo antecipado no texto de previsões aqui no blogue.

JUÍZO FINAL: Não premiar «The Handmaid’s Tale» devia dar pena de prisão

A ressaca dos Emmys, e da consequente noite mal dormida, alivia-se com café e muito mais horas de sono no dia seguinte (atendendo à hora a que este texto sai, não será o meu caso). O Rennie é, pois claro, uma alusão à “azia” que fica depois de uma sucessão de surpresas “desagradáveis” entre os vencedores, por entendermos que são injustas. Obviamente, nunca se chegará a consenso em relação à justiça ou injustiça dos resultados, tanto na TV como em qualquer outra área, mas isso não alivia a frustração, pelo menos para já. Aquilo que Elisabeth Moss tem vindo a fazer em «The Handmaid’s Tale» irá ficar para a história, assim como Tatiana Maslany e a sua interpretação de duas dezenas de personagens (embora Sarah Paulson, confessa fã da atriz, se tenha esquecido disso na apresentação das nomeadas – mencionou seis atrizes e seis personagens).

Tenho mau perder desde que me conheço, mas, acima de tudo, lido mal com injustiças. Por mais racionais que sejamos (ou queiramos ser), há sempre uma parte de nós que se rende às emoções e nos estraga, parcialmente, as contas. Ainda assim, é essa mesma capacidade de sentir que enriquece e leva este encantamento pelas séries mais além. Feita a “nota de culpa”, vem o resto. «The Handmaid’s Tale», que venceu oito Emmys em 2017, saiu da edição deste ano apenas com o Emmy de Melhor Atriz Convidada (Drama) para Samira Wiley. Há um ano, tinha sido Alexis Bledel, ex-«Gilmore Girls», a vencer esse prémio. Não defendo «The Handmaid’s Tale» como a Melhor Série (embora torcesse por essa distinção), até porque reconheço e admito algumas falhas no argumento, mas acredito que as melhores atrizes da atualidade moram ali: Elisabeth Moss e Yvonne Strahovski não podiam ter saído a zeros. 

A hegemonia de «A Guerra dos Tronos» percebe-se facilmente, tendo em conta que desde 2015, ano em que a série da HBO venceu pela primeira vez, a votação da categoria-maior foi aberta a toda a Academia. Procurava-se acabar com as críticas ao elitismo e, em vez disso, criou-se um novo problema: a Melhor Série é agora a série mais popular. A avaliação da qualidade deu lugar à premiação dos mais fortes, o que se vê facilmente quando séries como «Patrick Melrose», «A Pecadora» e até «GLOW» são totalmente ignoradas. Ou as séries de Ryan Murphy ou HBO são sucessivamente premiadas nas Séries Limitadas – «Olive Kitteridge», «O Caso de O.J. – American Crime Story», «Big Little Lies» e «O Assassinato de Gianni Versace» –, porque são também as mais vistas. Embora «Veep» tenha reconhecida qualidade, a sua ascensão a Melhor Série de Comédia, em 2015, foi sintoma do mesmo “mal”.

Aqui ficamos, invariavelmente, para ver os próximos episódios.

Obrigada por terem estado desse lado neste especial Emmys 2018.

 

 

 

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