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Dark, por Filipa

Sou a Filipa, super feliz por ter encontrado um espaço para alugar. Os arrendamentos estão pela hora da morte. Tenho Netflix Premium. Não dou a password. Façam o favor de entrar. Hoje falo de «Dark».

Vamos deixar já assente que isto não é Stranger Things à alemã. Crianças desaparecem numa pequena cidade, existem adolescentes, flashbacks para os anos 80 e toda a cultura dessa década, temos uma central nuclear muito suspeita na área e elementos do sobrenatural. Mas não é Stranger Things! Twin Peaks no máximo, se tivermos em consideração a fotografia, cenário e cadência da série. No fim, tentar encontrar um paralelo é insultuoso para uma série que triunfa por mérito próprio embora “there’s nothing new under the sun”. Lost, Cold Case, The X Files, podemos evocar todas as séries e mais algumas.

Temos de ter algo em mente durante toda a temporada: os alemães, a herança cultural cinematográfica alemã, consegue tornar tudo mais sombrio, pesado e sério. Não há personagens com que nos identifiquemos ou sintamos alguma empatia. Não existe um pequeno brilho de esperança de episódio para episódio. Para isso, contribui em muito o elenco seleccionado. As crianças, os adolescentes, com todas as rotinas e preocupações próprias da idade, não são poupados a sentimentos de frustração, desespero, medo, desencanto. Ao contrário de? Stranger Things, adivinharam. Os adultos partilham todas as características de outros adultos em outras séries policiais, de terror ou suspense. Só que a língua alemã confere uma nota diferente, os semblantes são sempre mais profundos. O casting foi perfeito.

O gore presente em Dark é mínimo. A tensão baseia-se nos silêncios, nas esperas, no ruído branco de fundo (Hannibal, que saudades), no que não vemos. Há uma ou outra imagem mais sangrenta. Relembro que as crianças não são poupadas em nada aqui. Estão expostas a morte e violência.

Em resumo: temos crianças misteriosamente desaparecidas numa pequena cidade alemã que gira em torno de uma central nuclear onde ninguém entra. Assassinatos com intervalos de 33 anos: um padrão. Vítimas com os tímpanos rebentados e olhos calcinados. Famílias inteiras ligadas entre si — aqui, sugiro que prestem muita atenção ou tomem nota dos últimos nomes dos personagens. Se forem fluentes em alemão, muito bem. Se não forem, escolham legendas em português e não inglês. Ou vão parecer um monte de velhinhas no cabeleireiro: “Aquela não é filha da do polícia?”, “Não que essa morreu. Esta é tia do sobrinho do filho do dono da central nuclear!”. Não importa o quão bem falam e percebem inglês, o vosso cérebro irá sempre pregar-vos partidas ao usar três línguas.

[atenção: spoilers do final da primeira temporada de Dark]

Dark retira a nossa cabeça dos Estados Unidos e do Reino Unido como comandantes supremos do monopólio das série. Não é para qualquer pessoa. Se alguém se sente aborrecido com séries mais calmas, com crescendo mais ritmado, irá desistir logo no início. Se insistir, a surpresa é boa. Chegados ao último episódio, valeu a pena perder tantas horas? Sim. Não temos respostas a metade das perguntas que fizemos durante toda a temporada. Será que se viajar para o passado afecto o futuro? Se fizer algo no futuro, interfiro com o passado? Qual delas é a filha do polícia? Onde está o puto? Quem comeu as minhas Oreo? O final deixa em aberto imenso espaço para uma nova temporada. Afinal, “A questão não é onde mas quando”.

 

 

Filipa Mota

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