Agentes em modo bombeiro: a cada cliente salvo, um novo incêndio começa. «Call My Agent Berlin», no Disney+, prefere humor seco e sangue-frio ao glamour, numa comédia de nervos em plena cidade de Berlim.
Nascida como adaptação de «Dix pour cent» – o fenómeno francês que mostrou o dia a dia de uma agência parisiense –, «Call My Agent Berlin» segue a linha de outras versões internacionais e muda o código-postal e o pulso: em Berlim, a agência de talentos Stern tenta manter-se à tona, gerindo clientes reais e fictícios, egos inflamados e crises de imagem numa cadência de humor seco e controlo de danos. A nova premissa desloca o foco do encanto do meio para a sobrevivência do negócio: cada episódio parte de um imprevisto que ameaça um contrato, a reputação ou ambos.
O principal trunfo de «Call My Agent Berlin» é assumir uma identidade própria. Berlim não serve só de “postal”: entra no ADN das decisões, dos silêncios e da forma como se negoceia. A série trabalha bem o “microcaos” profissional: cláusulas ambíguas, agendas que não batem certo, egos que exigem mimo e ação. As participações especiais não distraem nem viram truque; aparecem para servir o conflito, não para o engolir.
E o elenco fixa a bússola: agentes que não são cínicos por defeito, mas por sobrevivência, com química suficiente para que a tensão interna da agência conte tanto como as “trapalhadas” dos clientes.
As aparições de figuras reais dão oxigénio sem virarem espetáculo paralelo. Há nomes como Veronica Ferres, Iris Berben, Moritz Bleibtreu, Heike Makatsch, Frederick Lau ou Samuel Finzi – quase sempre versões ligeiramente exageradas de si próprios, com caprichos credíveis (do pedido impossível à sensibilidade ferida). O efeito não é “olha quem apareceu”, é “olha o problema que temos para resolver”: agenda, cláusulas, imprensa, redes sociais, tudo parece prestes a colidir.
No centro estão os agentes, cada um com uma forma distinta de sobreviver ao caos: o pragmático que faz contas antes de prometer o impossível; a negociadora que lê salas e egos como quem lê contratos; o idealista que ainda acredita que mérito e timing se alinham; a veterana que conhece todos os atalhos – e cobra com juros quando é preciso. Entre eles, a dinâmica é o motor: alianças de ocasião, fricções antigas, lealdades testadas quando um cliente grande abana… A chefia da agência impõe o compasso, enquanto quem está no terreno dá a cara e tenta resolver todo o tipo de questões.
O humor é de fricção, não de punchline. Nasce do choque entre o que é pedido e o que é possível, do contrato que desmente a promessa, do produtor que muda o briefing a meio. Há ironia e uma melancolia discreta que impede o cinismo fácil: ri-se porque é a única forma de avançar. O timing é cirúrgico – olhares que duram meio segundo a mais, um suspiro que comunica – e isso dá humanidade a personagens que podiam ser apenas estereótipos.
No fim, «Call My Agent Berlin» impõe-se como retrato sóbrio de um ofício que vive de apagar fogos com uma mão e fechar contratos com a outra. Não reinventa a roda, mas troca o brilho pelo método e encontra aí a sua força: agentes a gerir danos, clientes a testar limites e uma cidade que dita o compasso. Falha pontualmente na repetição e na pressa das resoluções, mas compensa com credibilidade, química e um humor bem conseguido.
Texto originalmente publicado aqui