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Absentia: a improvável vitória do underdog

Um ator, tal como acontece nas demais áreas artísticas, trabalha em busca do sucesso. Quando o encontra, torna-se um “one-hit wonder” e, a partir de então, o desafio é repetir o feito para, assim, ser algo mais. Stana Katic, contra todas as probabilidades, conseguiu-o com «Absentia», que fechou a primeira temporada na segunda-feira, 20.

Absentia

Antes de avançar com a análise à primeira temporada — e esperemos que não a única — de «Absentia», convém deixar logo uma coisa clara: a montanha não pariu um rato. Desde o início que a narrativa intrincada da série do AXN Portugal ameaçava dar um ponto sem nó, mas a conclusão afinada do mistério da agente do FBI Emily Byrne (Stana Katic), que reaparece depois de ter sido raptada e torturada durante seis anos, deixou os espectadores, finalmente, descansados. As peças encaixaram no final e, além disso, abriram caminho a rumo bastante ambicioso para uma eventual segunda temporada. No entanto, até ao momento, a continuidade está longe de ser uma certeza — será que a compra dos direitos pela Amazon, que assim assegura a emissão nos Estados Unidos, garante o empurrão que ainda falta?

Quando Stana Katic foi despedida de «Castle» — como resultado da não renovação do seu contrato, alegadamente por divergências salariais —, em abril de 2016, poucos acreditariam num regresso tão contundente como aquele que se concretizou com «Absentia». O histórico de casos malsucedidos fala por si: poucos atores foram capazes de ter dois sucessos seguidos e outros, como Katherine Heighl, Mischa Barton e Tyler James Williams, continuam, sem sucesso, em busca do êxito já encontrado no passado. Com uma série pautada por nomes desconhecidos, Stana regressou num certame condenado ao fracasso e fez o impensável: agarrou o espectador, tal como tinha conseguido com a sua Katherine Beckett, de «Castle». Resta saber se foi o suficiente para segurar também a renovação.

Absentia

Sem um elenco de estrelas, à exceção de Stana Katic, e dois criadores praticamente desconhecidos, Matthew Cirulnick e Gaia Violo, «Absentia» adivinhava-se uma série inconsequente e sem grande interesse. Até a premissa de uma protagonista amnésica que tem um mistério para resolver não era nova: a própria Stana já tinha passado por duas storylines do género em «Castle». Ainda assim, e contrariando o preconceito, a série prendeu-nos pela curiosidade e ali fomos ficando, convencidos a desconfiar de Emily mas, pelo seu papel de destaque, tentados a confiar nela. Por mais crimes que acontecessem ou o drama se intensificasse, Emily estava inocente. Ou será que era a verdadeira culpada? Não, tinha de ser inocente – foi a isso que nos habituou a ficção, certo?

«Absentia» é uma espécie de concorrente underdog, claramente em desvantagem numa realidade onde as séries novas surgem em catadupa e com orçamentos bem mais atrativos, mas também por isso mesmo uma lufada de ar fresco. Além de colocar a sua estrela na linha da frente, permitindo a Stana assumir o peso da responsabilidade, a série vale pelo seu argumento. Com uma realização sóbria e marcadamente sombria de Oded Ruskin, a narrativa de «Absentia» vai-se consolidando episódio após episódio e, com uma identidade própria e independente das personagens, vai contrariando as suas claras fraquezas técnicas com o cuidado das palavras. É essa a improvável mais-valia da série do AXN: apesar das contrariedades, lembra-nos que, por vezes, uma história não precisa de ser espectacular ou de depender de efeitos — só precisa de ser boa.

O artigo poderá ser lido, na sua totalidade, na edição número 55 da Metropolis.

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