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The Great: da Rússia com amor – e uma dose de absurdo

Nomeado aos Óscares pelo Argumento de «A Favorita» (2018), Tony McNamara repete a dose com a escrita de uma minissérie focada no casamento de Catherine, “The Great”. A trama protagonizada por Elle Fanning e Nicholas Hoult já chegou à HBO.

Assim como acontecia no filme de Yorgos Lanthimos, que valeu o Óscar de Melhor Atriz a Olivia Colman em 2019, «The Great» não se propõe a contar uma história absolutamente factual, nem sequer perto disso. A declaração é feita desde logo na abertura da série onde, por baixo do nome em letras garrafais, surge um asterisco: “ocasionalmente uma história verídica”. Para quem preferir uma abordagem mais perto da realidade, a HBO tem outra série no catálogo, protagonizada pela incrível Helen Mirren: «Catherine, The Great».

Dúvidas houvesse em relação ao exagero por via da ficção, basta recorrer à Internet para perceber que, quando Catherine casou com Peter III, este ainda não era Imperador (tal como sucede na série) – casaram em 1945 e ele tornar-se-ia líder apenas em 1962 e por um período de seis meses. Crê-se também que o Imperador da Rússia era uma pessoa mais sensata do que a personagem de Nicholas Hoult (Mad Max, X-Men, Skins), ainda que as diferenças com a Imperatriz fossem várias e acabassem com o seu homicídio. Catherine, “The Great” daria então início ao seu reinado de poder, que se estendeu até 1796.

Nicholas e Elle Fanning, agora uma Catherine numa versão mais jovem, apresentam-se ao seu melhor nível. A personagem do primeiro é tão bizarra que funciona como a principal ferramenta para a comédia da série, ainda que muitas vezes somente por vergonha alheia. Pouco fiel, muito impulsivo e totalmente ignorante da realidade do povo e da guerra, Peter (Hoult) revela constantemente a sua imaturidade e incapacidade para liderar quem quer que seja. Já Catherine, que se mostra muito inocente e romântica no início, começa a transformar-se e prepara a tomada do poder a qualquer custo – com vista a fortalecer os direitos das mulheres e a defender os interesses da população e do Exército.

Desde o teste para perceber se Catherine é efetivamente virgem – quando o Imperador já mantinha relações múltiplas e às claras – ao entrave à liberdade de discurso e educação das mulheres, a série traça de uma maneira muito peculiar o ecossistema do século XVIII. Assim como acontecia em «A Favorita» (2018), a história avança livremente e sem qualquer cuidado com a veracidade dos acontecimentos ou da personalidade das personagens. Tudo é levado ao extremo, com os problemas a serem intensificados e as situações a tornarem-se cada vez mais surreais, à medida que o tempo avança. Num jeito caricatural da época a que se refere, «The Great» é uma série despretensiosa e sem grandes preocupações, seja de estilo ou contexto – e ganha muito com isso.

Fora das festas extravagantes – onde ainda assim enfrentam expectativas distintas –, homens e mulheres são separados e acabam em atividades “adequadas” ao seu género e estrato social. Tudo é ridicularizado, com Catherine e sobretudo Marial (Phoebe Fox) a serem a voz da razão perante o testemunho do espectador; com uma quebra drástica em relação aos restantes, que na sua maioria anuem ao estabelecido. Ainda que falte algum do brilho que marcou o filme de Lanthimos, «The Great» é uma série competente e que oferece uma revisitação fora do habitual do passado – ainda que esta abordagem esteja cada vez mais na moda.

Destaque para a presença, no elenco, de Gwilym Lee (Jamestown), Douglas Hodge (The Night Manager, Penny Dreadful), Sacha Dhawan (Iron Fist) e Sebastian De Souza (Medici, The Borgias).

Texto originalmente publicado na Metropolis

 

Sara Quelhas

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