REVIEWS

White Lines: o efeito transformador de Ibiza (e a morte)

Depois de «La Casa de Papel», Álex Pina estreia-se com um original Netflix que conta com o português Nuno Lopes num dos papéis principais. Já vi a T1 de «White Lines» e fica um aviso: vai tornar-se um dos maiores “vícios” dos próximos meses.

Entre o misticismo que ainda hoje ecoa dos westerns ali filmados por Sergio Leone, «White Lines» arranca em Almería, com a descoberta do cadáver de Axel Collins (Tom Rhys Harries), um inglês desaparecido há cerca de 20 anos. Tal acontece na sequência de um “milagre” temporal e raro naquela zona, assim como é revelado a viva voz pela protagonista Zoe (Laura Haddock, das sagas Transformers e Guardiões da Galáxia), que deixa à vista um mistério por resolver. Está despertado o trauma e definida a missão de Zoe, que servirá de fio condutor a toda a história: uma vez que o irmão Axel tinha viajado para Ibiza em busca do sonho de se tornar um DJ famoso, é para lá que ela segue.

Uma mistura de várias coisas, «White Lines», com diálogos em espanhol e inglês, contém os ingredientes necessários para se revelar em  mais um sucesso para o seu criador, Álex Pina, agora com um original Netflix após o sucesso internacional inesperado das suas criações «La Casa de Papel» e «Vis a Vis» [onde é cocriador]. A sua nova aposta transporta o dinamismo de «La Casa de Papel», combinado com «Ozark» – uma pessoa inocente envolvida no mundo das drogas – , «Succession» – o drama da família Calafat –  e «How to Get Away With Murder» – um mistério whodunnit, com a imersão em novas perspetivas e flashbacks ao longo de toda a temporada.

Sem certezas em relação ao destino do irmão, Zoe passou por diversas provações na entrada da idade adulta, encontrando o equilíbrio possível ao lado do marido Mike e de uma vida dita normal. Assim como as demais personagens que o enredo nos vai revelando, também Zoe vai descobrir uma nova identidade em Ibiza, que desafia os seus limites e tudo aquilo que antes julgava como certo. Focada em descobrir quem assassinou Axel Collins, Zoe reencontra os melhores amigos da vítima, que viajaram com ele de Manchester, bem como a ex-namorada Kika (Marta Milans) e outros rivais do seu passado. E tudo se vai tornando menos claro à medida que a ação avança.

Os suspeitos mais imediatos são Oriol Calafat (Juan Diego Botto) e a sua mãe Conchita (Belén López), que partilham uma relação estranha desde início e se viram envolvidos com Axel a nível empresarial, no universo das discotecas, e pessoal. Perante a vontade de atraírem investidores para a construção de um casino, suavizam o negócio da droga – o que terá consequências inesperadas – e conspiram contra o homem-forte da família, Andreu Calafat (Pedro Casablanc). A premissa, a certa altura, lembra uma «Succession» com discussões mais acesas e com acontecimentos mais exagerados.

É desde cedo incerto em que categoria conseguiremos enquadrar Boxer, a personagem de Nuno Lopes, que vai crescendo à medida que a narrativa avança e se confirma como um dos protagonistas de «White Lines». O ator está a um bom nível, na pele do violento e eficaz homem de confiança do patriarca dos Calafat, que acaba por ter menos visível um lado mais poético e sentimental. Ao jeito de um improvável Verbal Kint (Kevin Spacey em «The Usual Suspects» (1995)), com uma forma de andar particular, as diferentes camadas de Boxer são executadas de forma bastante credível pelo ator, que se arrisca assim a surgir em mais produções do streaming. Também na série, ainda que com menor destaque, encontramos Paulo Pires (como George, o namorado de Anna (Angela Griffin)) e Rafael Morais, que dá vida à personagem de Nuno Lopes 20 anos antes.

Assim como acontece em «La Casa de Papel», Álex Pina usa as principais “armadilhas” do argumento para agarrar o espectador, ainda que o exagero não prejudique a qualidade da série. «White Lines» é uma história mais adulta e também mais complexa, com diversas linhas narrativas que se aproximam ao longo dos 10 episódios da T1, e promete ser uma das séries do ano, pelo menos no que a audiências diz respeito. O ritmo acelerado e o crescimento do mistério em torno de Axel tornam a maratona quase inevitável – e, apesar do final trazer respostas, é certo que ainda há muito para contar numa eventual segunda temporada.

Entre as curiosidades, destaque para a passagem improvável da música “Dragostea Din Tei”, um dos sucessos do verão de 2004, cuja banda O-Zone protagonizou um dos rumores mais emblemáticos dos anos 2000 em Portugal. Depois da notícia publicada por um jornal português, muitos acreditaram que os membros da banda tinham morrido, o que não correspondia à verdade.

Além dos atores já mencionados, a trama conta ainda com outros atores internacionais de revelo, como é o caso de Daniel Mays (Rogue One) e Laurence Fox (Lewis, Victoria), e promessas como é o caso de Jade Alleyne (Years and Years). Atendendo ao seu histórico recente, Álex Pina tornou-se a figura mais interessante da TV espanhola e «White Lines» vem, mais uma vez, atestar que veio para ficar.

Texto originalmente publicado na Metropolis

Sara Quelhas

Recent Posts

O Vencedor: a história de um derrotado

As séries eslovacas e checas têm conquistado, aos poucos, o seu espaço no mercado português.…

8 meses ago

One Piece: adaptação reinventa Luffy

A Netflix estreou «One Piece», uma série baseada no sucesso do anime com o mesmo…

8 meses ago

Ahsoka: nova protagonista no universo Star Wars

Depois de uma passagem fugaz por «The Mandalorian» e «The Book of Boba Fett», Ahsoka…

9 meses ago

Only Murders in the Building T3: Streep à ponta de lança

Fica disponível na terça-feira, 8, o primeiro episódio da terceira temporada de «Only Murders in…

9 meses ago

As Flores Perdidas de Alice Hart: o trauma na (nossa) natureza

O Amazon Prime Video lança amanhã, 4 de agosto, a série «As Flores Perdidas de…

10 meses ago

The Full Monty: à deriva, outra vez

O Disney+ estreia esta quarta-feira, 14, a continuação da história trazida ao grande ecrã em…

11 meses ago