REVIEWS

The Brave: dos bravos não reza a história

A nova aposta do AXN Portugal recria um tema “batido” com um elenco bastante competente. Sem grande alarido ou exageros narrativos, «The Brave» recorre a personagens bem construídas e a um argumento cativante para fazer a diferença num tópico atual e com muita concorrência na TV e no cinema. Nos EUA, a série perdeu o primeiro round.

Castigada pela crítica e pelas audiências nos Estados Unidos, sobretudo na reta final da primeira temporada, «The Brave» chegou a Portugal aparentemente na mó de baixo. No entanto, e contrariando as expetativas criadas pelas reações internacionais, a nova série do AXN Portugal cumpre aquilo que promete: uma ficção competente de uma realidade que, sendo desconhecida, marca frequentemente a atualidade noticiosa (nem sempre diretamente). As missões secretas e arriscadas são um caso sério, mas «The Brave» acompanha-as de um twist cómico, e ligeiro, sem se esquecer de desenvolver as suas personagens.

Partindo de intervenientes estereotipados à partida, «The Brave» obriga-os a crescer para além disso e dá-lhes personalidade, criando elementos auxiliares e antagónicos que, no seu relacionamento, potenciam a ação. Desta forma, cada decisão tem, além da natural componente técnica, uma forte veia “humanizante”, que aproxima os militares e os decisores do público. Esta atitude nada inocente da narrativa simplifica a relação do espectador com «The Brave», sem a anular, e, consequentemente, também influencia a própria visão que se cria dos militares reais. São humanos — mesmo que a referência a números ou casos vazios leve a que, por vezes, seja fácil “esquecer” isso.

Anne Heche e Mike Vogel são a dupla por que esperávamos; nós é que não sabíamos. Sem muita sorte nos projetos recentes, nomeadamente em duas séries sobre o Apocalipse que não foram renovadas, os dois atores encontraram-se pela primeira vez em «The Brave»… mais ou menos. Patricia (Heche) está na capital dos Estados Unidos, Washington, D.C., e Adam (Vogel) está onde a ação acontece. Os dois comunicam regularmente, com Patricia, que regressa ao trabalho após o luto pelo filho — morto em combate —, a liderar as ocorrências à distância e Adam a comandar uma equipa no terreno, onde tem de reagir às situações e ao perigo que encontra. Nenhum deles é, por norma, intransigente na posição que assume e isso faz com que a ação flua com maior naturalidade e sem um constante recurso à tensão intermédia — ainda que tal possa acontecer, inevitavelmente.

A dupla de protagonistas estabelece a ligação com as demais personagens, que têm traços bem definidos de personalidade e possibilitam, por isso mesmo, uma maior consistência no diálogo e no decorrer da ação. Há pessoas de diferentes culturas e origens e, até quando «The Brave» se torna mais previsível, há sempre espaço para uma surpresa. Os casos mais sensacionalistas poderiam, à partida, ameaçar a verosimilhança da narrativa, mas, em vez disso, permitem que esta reforce alguns dos seus aspetos. Quer isto dizer que, sem tornar a ficção totalmente irreal, «The Brave» consegue desafia-la — bem como à própria realidade — para reforçar que não é uma série documental, mas antes uma homenagem subentendida aos heróis de que nunca se conhece a história.

Não podemos ignorar que também joga contra «The Brave» o facto de surgir na mesma altura que «SEAL Team», exibida em Portugal pelo TVSéries, e «Valor». Embora se tratem de séries diferentes, a verdade é que pode considerar-se um número excessivo de apostas novas sobre um tema tão específico, e já naturalmente com um público-alvo definido. Em terras lusas não se sentiu tanto esta aproximação — pela distância temporal entre as estreias —, mas, tal como acontece com os castigos coletivos, Portugal pode muito bem “pagar” pelas decisões do outro lado do Oceano. Até ao momento, ainda não se sabe se «The Brave» vai regressar para uma segunda temporada.

 

Texto originalmente publicado na Metropolis nº57.

 

Sara Quelhas

Recent Posts

O Vencedor: a história de um derrotado

As séries eslovacas e checas têm conquistado, aos poucos, o seu espaço no mercado português.…

8 meses ago

One Piece: adaptação reinventa Luffy

A Netflix estreou «One Piece», uma série baseada no sucesso do anime com o mesmo…

8 meses ago

Ahsoka: nova protagonista no universo Star Wars

Depois de uma passagem fugaz por «The Mandalorian» e «The Book of Boba Fett», Ahsoka…

8 meses ago

Only Murders in the Building T3: Streep à ponta de lança

Fica disponível na terça-feira, 8, o primeiro episódio da terceira temporada de «Only Murders in…

9 meses ago

As Flores Perdidas de Alice Hart: o trauma na (nossa) natureza

O Amazon Prime Video lança amanhã, 4 de agosto, a série «As Flores Perdidas de…

9 meses ago

The Full Monty: à deriva, outra vez

O Disney+ estreia esta quarta-feira, 14, a continuação da história trazida ao grande ecrã em…

11 meses ago