Insatiable: o improvável boom de uma série banal

A tímida campanha de marketing da Netflix foi potenciada, inesperadamente, por uma petição com contornos de “lápis azul”: «Insatiable» era ofensiva e nunca devia ver a luz do dia. A reação ao trailer foi tão expansiva, ainda que sem resultados, que a Netflix conseguiu captar muita atenção para o novo original, até mesmo fora do público-alvo. A chatice é que, afinal, a petição era o menor dos seus problemas.

Quando tento expressar a minha opinião relativamente a «Insatiable», vem-me à memória uma comparação feita pela Filipa M. há pouco tempo: “epá, isso era como roubar o F1 ao Alonso e fazer a Nacional”. Basicamente, a série tem todas as condições para ser, pelo menos, uma “dramédia” juvenil com piada, mas depressa se revela uma miscelânea de contributos vazios. E porquê? «Insatiable» quer tanto rir-se de si própria, com autocrítica e estereótipos levados ao extremo, que se transforma naquela criança “esquisita” das festas que vence a paciência dos demais e acaba a brincar sozinha a um canto.

As críticas ao trailer lembram as que também se fazem ouvir em relação a «Por Treze Razões», outra série do serviço de streaming, que aborda o suicídio de uma adolescente – e as 13 razões que ela aponta para isso.  Alguns suicídios de jovens foram, inclusivamente, associados à série e as críticas continuam a ser audíveis, aqui e ali. Já no que diz respeito a «Insatiable», e logo após o lançamento do trailer, parte da audiência apontou o dedo à Netflix e tentou, sem sucesso, evitar o lançamento do original. Defendiam que o tema poderia afetar pessoas com autoestima mais baixa, nomeadamente pelo seu excesso de peso, e que resultado poderia ser catastrófico. Com esta ação, conseguiram o oposto do que queriam: «Insatiable» acabou por ter marketing gratuito e atrair ainda mais público (se o conseguiu segurar ou não, saberemos em breve com o cancelamento ou renovação).

É curioso perceber que Lauren Gussis, a criadora da série, estava desaparecida do meio televisivo desde «Dexter» (!!!), onde era produtora  – foi melhorando a sua posição ao longo dos anos, chegando a coexecutiva – e uma das argumentistas. Talvez isto ajude a perceber a componente “macabra” e vingativa da série, mas pouco mais do que isso. O argumento é genericamente fraco, desinteressante e até mesmo descabido – embora isso possa ser uma vantagem noutras apostas, a verdade é que em «Insatiable» é mais um fator a trabalhar contra a série. A estrela Disney Debbie Ryan, que interpreta a protagonista Patty, até cumpre o que lhe é pedido… e o problema é exatamente esse. Confusos? Passo a explicar.

Patty é uma jovem obesa que emagrece drasticamente após um conflito com um sem-abrigo e, ganhando inesperadamente um corpo de sonho, decide usar o novo aspeto para se vingar de todos os que a prejudicaram ao longo dos anos. A premissa até tinha piada, não fosse a forma como a equipa criativa decidiu explorar essa senda justiceira da outrora inocente Patty. Veja-se o exemplo do sem-abrigo: a jovem reencontra o homem, agora sóbrio, e opta por seduzi-lo porque – o sacrilégio! – ele tem um problema com mulheres acima do peso e assim vai aprender uma lição (como?!). Só que nada corre como o previsto e ele adormece, pelo que Patty pensa momentaneamente… pegar-lhe fogo!!! Ah?!

Para adensar ainda mais o drama, Patty interessa-se pelo pai da ex-crush, Bob Armstrong (Dallas Roberts, longe já de ser o sex symbol de outros tempos). Bob, advogado e treinador de candidatas a Miss, está envolvido numa grande polémica depois de uma mãe, descontente, o ter acusado de assédio sexual a menores. Acaba por defender a causa de Patty, e ver nela o potencial para concorrer em concursos de beleza. Ou seja, além de se vingar de quem lhe fez bullying ao longo dos anos, Patty vai mostrar “como elas doem”… ao ser eleita Miss qualquer coisa. Chega a ser doloroso ver atores com tanto potencial, e créditos firmados como Dallas Roberts ou Alyssa Milano, a interpretar um argumento tão vazio. E pensarmos que, a certa altura, se achava que o grande problema de «Insatiable» era o trailer e a respetiva petição. Não, meus amigos, é “só” tudo o resto…

 

Sara Quelhas

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