Elementar: bem-vindos a Baker Street! Vai ser bom, não foi?

O final idealizado pelo criador Robert Doherty parecia apropriado: depois de confessar um crime que não cometeu, Sherlock Holmes (Jonny Lee Miller) é extraditado para Londres. E aí a série de televisão, situada na modernidade, encontrava o passado e a casa-mãe dos livros escritos por Arthur Conan Doyle. The end. O “problema” é que a CBS decidiu dar mais episódios à sexta temporada e renovou «Elementar» para uma sétima, de 13 episódios, levando o autor a repensar tudo o que julgava encerrado e a reescrever o rumo das personagens que o acompanham desde 2012.

Embora o desafio de Doherty pareça quase contranatura, uma espécie de vida depois do fim da vida de Sherlock e companhia, a verdade é que ele o resolve com naturalidade. Mas não deixa de ser algo poético ver um criador que tantas vezes “enganou” o espectador e contrariou o óbvio, conseguindo sempre um twist mesmo quando tudo parecia resolvido, a ver as suas voltas também trocadas. Porém, nem com esta lição deixa de recorrer aos truques do costume e, chegados a Londres, onde Joan Watson (Lucy Liu) foi ter com o eterno parceiro, é como se não tivesse passado tempo algum. O ambiente pode ser totalmente diferente, pode ter passado um ano, mas as personagens mantêm os traços e os vícios que as caraterizam.

É difícil escrever sobre o regresso de «Elementar» sem levantar o véu sobre as escolhas de Doherty, mas não queremos estragar o primeiro episódio a quem ainda não o viu. Com esta limitação evidente, resta centrar a análise no imediato. Sherlock e Holmes colaboram com Athelney Jones (Tamsin Greig, «Episodes»), uma detetive durona que tem um sentimento quase antiamericano, recorrendo frequentemente a piadas contra Joan, a quem trata por “Doc”. No arranque da sétima temporada, a equipa tem de resolver o ataque a uma figura conhecida do mundo da moda, que é subitamente atacada com ácido no meio da rua.

O ator Jonny Lee Miller tem uma carreira invejável, dos palcos ao cinema, mas ficará para já conhecido como o Sherlock mais duradouro, um feito que não será superado rapidamente. E até terá direito a dois finais, já que a sua personagem tinha a vida resolvida com a ida para Londres. Sem liberdade para voltar aos Estados Unidos, pois tal levaria a que fosse detido, resta saber se Sherlock mantém a sua tendência para quebrar regras, algo que começa logo no primeiro episódio com um gelado partilhado com o adorável filho de Kitty (Ophelia Lovibond), que já não víamos desde a quinta temporada. Atenção: os mimos para os espectadores não ficam por aqui.

Trata-se do fim de um ciclo bastante ousado na história da TV. É certo que Doherty transformou o clássico de suspense numa série mais moderna, bem mais próxima de tramas como «O Mentalista» ou «Castle», ainda que evitando o relacionamento romântico. Há amor entre as personagens, sim, mas, caso o autor não mude de ideias, não passará de platónico. Ainda assim, goste-se ou não de «Elementar», há que dar crédito a Doherty pelo risco que correu ao transportar Sherlock para os Estados Unidos e ao inverter o género de personagens bem conhecidas da literatura, como Watson ou Moriarty.

Texto originalmente publicado na Metropolis.

Sara Quelhas

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