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What/If: error, argumento not found

Há um momento no piloto que resume, em poucos segundos, aquilo que é «What/If». A certa altura, no primeiro episódio, a personagem de Renée Zellweger encara uma ampla janela, com a trovoada lá fora a construir o cenário ideal de uma vilã da Disney… Mas de um filme de animação série B – tal a qualidade artificial dos efeitos. Também é assim a série: no meio do aparato da história que quer criar, os efeitos artificiais destroem os aspetos positivos da trama que marca o regresso de Mike Kelley, o criador de «Revenge», terminada em 2015.

Se há série que nem precisava de marketing era esta. Após uma pausa na carreira entre 2010 e 2016, e filmes pouco mediáticos desde então – à exceção do regresso de Bridget Jones –, Renée Zellweger estreia-se em 2019 numa série de TV, pela mão da Netflix. Desde que o serviço de streaming anunciou a participação da atriz norte-americana em «What/If», cuja sinopse demorou a ser revelada, que a curiosidade em torno da série era muita. Chegada a hora da verdade, é caso para dizer que a montanha pariu um rato.

Lisa (Jane Levy) e Sean Donovan (Black Jenner) são um jovem casal aparentemente normal… e os protagonistas desta história. Embora o foco de «What/If» esteja naturalmente em Renée, o valor acrescentado da nova série de Kelley, o duo de promissores atores assume a condução da narrativa, pelo que grande parte do piloto lhes é dedicado. Lisa tem uma start-up, que fundou com a ajuda dos pais adoptivos, mas não consegue vender o seu projeto a ‘tubarões’ do mundo dos negócios; já Sean é um ex-jogador dos Giants, que caiu em desgraça e agora trabalha como paramédico e no bar de um hotel. A eles junta-se um grupo de amigos estereotipado: os namorados de sempre e a traição que ameaça dividi-los – com um hospital pelo meio a lembrar «Anatomia de Grey» –, e o casal gay que quer experimentar coisas novas (a storyline lembra uma das secundárias de «Looking»).

No meio dos clichés, surge finalmente Anne Montgomery (Renée) para nos salvar do tédio. Mas a premissa que traz é, tal como a série assume num diálogo entre personagens, um rip off de um filme dos anos 90. Se conhecerem pelo menos a sinopse do filme «Proposta Indecente» (1993), protagonizado por Robert Redford, Demi Moore e Woody Harrelson, é impossível desligar a sensação de déjà vu. No filme, um bilionário oferece um milhão de doláres a um casal por uma noite com a mulher, enquanto na série é Anne que se oferece para financiar o projeto de Lisa… em troca de uma noite com Sean. O que é acontece nesse período é um mistério e será o mote para toda a temporada, uma vez que há uma cláusula que impede Sean de falar sobre isso.

Apesar de os diálogos serem genericamente ‘bonzinhos’, o que estraga tudo é o argumento. Ou melhor, a falta dele. Mike Kelley teve as ideias, organizou os diferentes grupos da história e atribuiu-lhes um conflito, só que não se preocupou com o fio condutor. Tudo é uma miscelânea de falsos twists que vão acontecendo, onde cada personagem se julga à frente do jogo em que está envolvida. Como pano de fundo, a terrível Anne, que parece estar sempre um passo adiantada em relação a Lisa, uma cientista frágil que quer provar à magnata que é mais forte do que ela pensa. Qualquer semelhança de Anne com Victoria Grayson (Madeleine Stowe), de «Revenge», não será certamente uma coincidência.

Como já perceberam, provavelmente, a esta altura, «What/If» tem todos os ingredientes para se tornar o guilty pleasure dos seriólicos, apesar de todos os seus defeitos. É verdade que a série está mal construída e que o argumento é uma falácia, mas a curiosidade para saber o que move Anne e o que aconteceu naquela noite agarra a audiência episódio após episódio. Além disso, ter Renée como vilã é um acontecimento raro que é maravilhoso de assistir.

Artigo também disponível na Metropolis.

 

Sara Quelhas

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