Black Narcissus: um convento não muito sagrado…

Estreia amanhã, no Disney+, a minissérie «Black Narcissus», baseada na obra publicada em 1939 por Rumer Godden. Mais uma vez, o isolamento e solidão dão mote a uma história muito espiritual… com contornos inesperados.

A trama que já inspirou o filme «Quando os Sinos Dobram» (1947) recebe agora um look mais moderno numa minissérie de três episódios, um trabalho conjunto da FX com a BBC, que chega a Portugal pela mão do streaming Disney+. Tudo começa quando um grupo de freiras, encabeçado pela Irmã Clodagh (Gemma Arterton), se instala nos Himalaias, com a ação situada em 1934.

Como desde cedo a minissérie revela, o palácio antigo para onde se mudaram nem sempre teve a mesma ambição de “pureza”, pelo contrário, era o palco de muitos “pecados da carne” e, também, de muita vaidade e obscuridade. Não é de estranhar, portanto, que a receção das novas habitantes seja feita com uma banda sonora sombria e muita tensão, assim como uma realização nada inocente. Além disso, há caraterísticas na personalidade das intervenientes que denuncia um lado menos bonito, e pouco santo, destas.

A construção imediata das personagens esclarece isso mesmo: mais do que uma série relacionada com um mistério nem sempre visível, a narrativa espelha as qualidades e defeitos das pessoas. Assim como um lado humano, cru, que muitas vezes se sobrepõe à Fé. A começar pela própria protagonista, Clodagh, cuja ambição a leva a assumir uma postura quase de comandante no palácio que quer “transformar” em espaço humanitário e religioso. Por seu lado, os habitantes locais, e outros que por ali passam, parecem não ter a mesma ilusão, ainda que nem sempre funcionem como um obstáculo.

A ironia da história concretiza-se, por exemplo, no momento em que um conjunto de freiras encontra um espelho – escondido assim como os quadros mais chocantes – e vê a sua imagem refletida pela primeira vez em muito tempo. O anúncio do fascínio do passado faz com que tremam, mas nem por isso a tentação esmorece. E é uma questão de tempo até Ruth (Aisling Franciosi) começar a ceder.

Sem grandes efeitos ou exibicionismo, «Black Narcissus» recorre ao argumento/diálogos, bem como ao ambiente que os acompanha, para estabelecer o mood da história. Com apenas três episódios, a minissérie vê-se com relativa facilidade, pela complexidade presente ao longo de toda a trama. Por sua vez, também as personagens são bastante sólidas e até literárias, com profundidade e contexto, o que as torna mais do que peões da narrativa: são catalisadores da sua própria tragédia.

Destaque para a presença no elenco, ainda que breve, de Diana Rigg («A Guerra dos Tronos»), que faleceu em setembro. No elenco marcam ainda presença Alessandro Nivola, Nila Aalia, Patsy Ferran e Rosie Cavaliero, entre outros.  

 

Texto originalmente publicado aqui  

 

Sara Quelhas

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