Se o futuro tivesse um espelho, o reflexo seria mais sombrio do que esperamos… Como aparentemente não aprendemos nada com as temporadas anteriores, «Black Mirror» regressa para mais uma ronda de previsões tecnológicas assustadoramente plausíveis. A sétima temporada já está disponível na Netflix.
Se o progresso tecnológico pode representar uma promessa de salvação, «Black Mirror» continua a lembrar-nos de que toda a promessa integra, em si, a possibilidade de cair no abismo. Ao longo da sétima temporada, a série propõe seis histórias onde a inovação digital se cruza com fragilidades humanas antigas e universais: o medo da perda, o desejo de permanência e a necessidade de controlo. Numa era em que confiamos a algoritmos as nossas decisões, relações e recordações, «Black Mirror» regressa para nos lembrar, tal como um murro no estômago, que talvez o futuro não seja apenas sombrio… é também estranhamente familiar.
Mais do que um augúrio de maus presságios, «Black Mirror» quebra o conforto da distância temporal e confronta a audiência com dilemas que já estão presentes na atualidade. A memória pode ser arquivada, o luto pode ser adiado, a identidade pode ser replicada: mas a que custo? Com a frieza de um espelho e a precisão de uma incisão cirúrgica, cada episódio desvenda uma faceta de um presente em mutação, desafiando a ilusão de que o avanço tecnológico representa, por si só, um progresso moral.
Através de escolhas visuais, cenográficas e sonoras, «Black Mirror» recorre à estilização para enfatizar o carácter artificial e complexo das realidades alternativas, tornando visível aquilo que tantas vezes nos escapa no mundo real: a presença constante de mediações tecnológicas. Esta distorção, longe de ser meramente formal, tem função crítica: expõe os mecanismos através dos quais percebemos, manipulamos e, por vezes, fabricamos a experiência da realidade.
Um dos fios condutores é a forma como as relações humanas são moldadas, filtradas e até substituídas por “interfaces” tecnológicas. Amizades, relações amorosas, dinâmicas familiares: tudo é reconfigurado por sistemas de mediação que, mesmo ao prometerem maior proximidade, introduzem novas camadas de distanciamento, vigilância ou artifício. «Black Mirror» não condena a tecnologia de forma simplista; o que expõe é o modo como esta amplifica os paradoxos emocionais já presentes nas relações humanas. O afeto torna-se programável, o luto pode ser adiado indefinidamente, e a intimidade passa a depender da qualidade de um software… mas a solidão permanece.
Se é verdade que cada época tem os monstros que merece, então «Black Mirror» continua a ser um oráculo cruel e certeiro. Nesta temporada, somos novamente confrontados com as consequências das escolhas digitais, não como previsão apocalíptica, mas como espelho de um presente onde a humanidade se esconde atrás do ecrã. E talvez o maior susto seja perceber que, afinal, já não conseguimos desligá- lo…
S7.E1 ∙ Common People Amanda (Rashida Jones) está a morrer, mas a tecnologia oferece-lhe uma possibilidade de continuar – ou algo parecido com isso. À medida que ela e o marido (Chris O’Dowd) se envolvem numa rede de procedimentos médicos avançados, descobrem que nem sempre a vida artificial prolonga o que realmente importa… ou “joga” limpo.
S7.E2 ∙ Bête Noire Maria (Siena Kelly), uma executiva de sucesso, reencontra Verity (Rosy McEwen), uma antiga colega de escola, após anos sem contacto. O reencontro desperta memórias confusas e coincidências perturbadoras, levando Maria a questionar se a realidade à sua volta está a ser manipulada…
S7.E3 ∙ Hotel Reverie Uma estrela emergente do cinema (Issa Rae) é transportada para um filme antigo, recriado por inteligência artificial. O que começa como um desafio artístico transforma- se numa experiência emocional profunda, à medida que se apercebe de que os sentimentos despertados são tudo menos artificiais.
S7.E4 ∙ Plaything Num futuro próximo, em Londres, um suspeito de homicídio (Peter Capaldi) é detido após uma série de acontecimentos inexplicáveis. As investigações conduzem a um obscuro videojogo dos anos 1990, povoado por criaturas artificiais adoráveis e surpreendentemente inteligentes.
S7.E5 ∙ Eulogy Quando Phillip (Paul Giamatti) é convidado a escrever um elogio fúnebre, colabora com um serviço de inteligência artificial que promete recuperar memórias partilhadas com a falecida. Enquanto revive os momentos esquecidos, confronta não só o passado, mas também uma versão de si próprio que preferia evitar.
S7.E6 ∙ USS Callister: Into Infinity Anos após a queda de Robert Daly (Jesse Plemons), na season 4, a tripulação da USS Callister continua presa num universo digital em expansão. Liderados por Nanette Cole (Cristin Milioti), os antigos prisioneiros enfrentam novos perigos ao explorar as fronteiras do código onde habitam.
Texto originalmente publicado na Metropolis