Barry: esta não é uma história sobre heróis

«Barry» tem sido uma verdadeira aula desde o primeiro episódio. Na terceira temporada, que hoje enceta na HBO Max, a headline é simples e incontornável: não é suposto torcer pelo assassino.

Uma das melhores séries de comédia da última década, «Barry» reúne um conjunto de premissas inusitadas que, de uma forma ou de outra, acabam por resultar muito bem. O que acontece quando um assassino contratado, Barry (Bill Hader) decide afastar-se da vida do crime e entregar-se a uma possível carreira na representação? Como temos vindo a perceber desde a primeira temporada, um pouco de tudo. Mas, agora, o que esperar quando o ator e o assassino estão demasiado próximos e a linha é quase impossível de distinguir (até por Barry)?

A terceira temporada de «Barry» promete muito e começa logo a entregar o que promete nos primeiros episódios. É certo que algumas storylines vão ter de ser resolvidas, nomeadamente a relação de Barry e Sally (Sarah Goldberg) – que tem mostrado traços de abuso –, a situação com o mentor Gene (Henry Winkler), que já sabe que Barry matou a sua namorada, e a questão da psicose de Barry. A segunda linha narrativa resulta, por exemplo, numa interessante roadtrip, em constante mutação, de Barry e Gene, mostrando um protagonista à deriva, em busca da salvação que anseia desde o episódio piloto.

Ao mesmo tempo que continua de arma em punho, Barry vê surgirem novas oportunidades como ator, embora tenha descurado amplamente todo o seu potencial recentemente. O karma parece ter os polos trocados, mas, como bem sabemos, nada é linear em «Barry» e tudo pode acontecer a cada 30 minutos de episódio. Estamos perante uma das séries em que pode acontecer o previsível e o imprevisível em questão de minutos, algo facilitado pela complexidade que nos foi sendo apresentada no núcleo central de personagens.

Quando o assunto é «Barry», é impossível não falar em Hank (Anthony Carrigan), uma personagem condenada a morrer logo no arranque (até os criadores mudarem de ideias), que não só se mantém na série, como tem ganhado progressivamente maior destaque. Livre para conhecermos melhor o seu lado pessoal, Hank continua a ser uma fonte de problemas que, ironicamente, tende a atingir mais quem o rodeia do que ele. Não será de estranhar que, quando Bill Hader se quiser entregar a outros projetos, Carrigan acabe a protagonizar um spin-off em nome próprio. Uma nota também para a adição de Elsie Fisher ao elenco, como a filha problemática de Sally na série que está a desenvolver, «Joplin».

A criação de Alec Berg e Bill Hader, que já arrecadou seis Emmys – e possivelmente só não ganhou mais porque surgiu um furacão de seu nome «Ted Lasso» –, regressa agora com um estatuto diferente de 2018. É uma série de comédia bem consolidada, com um elenco de elevado nível, e sem os habituais limites impostos em sitcoms ou narrativas com protagonistas previsíveis e algo estáticos, que não hesita em alimentar-se de outros géneros, como o drama e o thriller. Um must see, novamente.

 

Texto originalmente publicado aqui

 

Sara Quelhas

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