The Kominsky Method: aprender a dizer adeus

«The Kominsky Method» estreia a sua terceira e última temporada hoje na Netflix. Tive acesso antecipado aos seis episódios que marcam a despedida da série protagonizada por Michael Douglas, agora sem alguns habitués das outras seasons.

THE KOMINSKY METHOD (L to R) MICHAEL DOUGLAS as SANDY KOMINSKY in episode 305 of THE KOMINSKY METHOD Cr. ANNE MARIE FOX/NETFLIX © 2021

Acostumados a ver Norman Newlander (Alan Arkin) ao lado de Sandy Kominsky (Michael Douglas), é estranho regressarmos a «The Kominsky Method» no momento do adeus. A saída do ator já era conhecida, mas não os seus moldes: numa série que funciona como metáfora à iminência da morte em Hollywood, faz sentido que o fim da passagem de Arkin seja também o fim definitivo de Norman. A terceira temporada arranca no funeral do agente, onde Sandy, Phoebe (Lisa Edelstein) e Robbie (Haley Joel Osment), entre outros, fazem os seus discursos de despedida. Os monólogos são bastante profundos e traçam, em estilos peculiares, o trajeto de uma das personagens mais marcantes da série criada por Chuck Lorre (A Teoria do Big Bang, Dois Homens e Meio), mas também das relações que desenvolveu.

«The Kominsky Method» apresenta-se como uma jornada individual mas, em pouco tempo, percebemos que é feita de relações. A mais marcante era a amizade de Sandy e Norman, mas há outras, antigas e novas, a ganhar espaço em mais uma incursão narrativa. Fala-se também de trabalho de equipa (ou falta dele), fat shaming, a eficácia da mensagem inclusiva que muitos criadores querem passar na TV (e de como a linguagem pode não ser percetível para quem vê) e até se equacionam decisões eticamente questionáveis. E, lado a lado, a beleza e o pior de Hollywood de mãos dadas.

THE KOMINSKY METHOD (L to R) HALEY JOEL OSMENT as ROBBIE, LISA EDELSTEIN as PHOEBE, KATHLEEN TURNER as RUTH, PAUL REISER as MARTIN, and SARAH BAKER as MINDY KOMINSKY in episode 303 of THE KOMINSKY METHOD Cr. COURTESY OF NETFLIX © 2021

Sai Arkin, entra Kathleen Turner como Roz, a ex-mulher de Sandy. A atriz, a improvável parceira do protagonista na nova temporada, é amiga há mais de 40 anos de Douglas, pelo que a participação é sobretudo simbólica. A entrada fulgurante de uma figura tão importante do passado de Sandy, e do presente de Mindy (Sarah Baker), ajuda a narrativa a mergulhar noutras áreas da vida das suas personagens – mas não só. A introdução de Roz possibilita uma segunda oportunidade para o protagonista, não necessariamente romântica, que lhe possibilita um encontro mais próximo com os seus fracassos… e quiçá o sucesso.

Além de Turner, há mais dois nomes sonantes a terem uma participação especial: Morgan Freeman e Barry Levinson. O ator faz dele próprio, estabelecendo uma relação interessante com Sandy e os seus alunos. A passagem, ainda que curta, é sem dúvida um dos pontos altos da season 3. Como não podia deixar de ser, com muitas “alfinetadas” a vários temas atuais, e nem as popularíssimas Masterclasses online em que Freeman marca presença escapam.

THE KOMINSKY METHOD (L to R) MICHAEL DOUGLAS as SANDY KOMINSKY, SARAH BAKER as MINDY KOMINSKY, and KATHLEEN TURNER as RUTH in episode 304 of THE KOMINSKY METHOD. Cr. ERIK VOAKE/NETFLIX © 2021

Um dos principais fios condutores dos últimos seis episódios prende-se com a execução do testamento de Norman. O braço-direito de Sandy escolheu o amigo como executor das suas vontades, bem como responsável pela parte do dinheiro que cabe a Phoebe e Robbie. A dupla organiza os planos mais mirabolantes para tentar conseguir o dinheiro de Norman, sem que Sandy se aborreça o suficiente para lhes tirar tudo de vez. Robbie, mais uma vez, é a versão cómica da Cientologia, forçando o seu discurso a quem se vai cruzando com ele. Já o tema do dinheiro relacionado com Mindy e Martin (Paul Reiser) promete assumir contornos mais sérios.

«The Kominsky Method» é uma série sobre a inevitabilidade das coisas. Se em «A Teoria do Big Bang» Chuck Lorre celebra a juventude-adulta, na aposta da Netflix ilustra a reta final desse percurso, o período imediatamente antes do fim. Mesmo sem saber quando chega esse “fim”, a sua inevitabilidade torna-o demasiado presente e real antes de o ser, sobretudo com as despedidas constantes às pessoas próximas que vão falecendo. O encontro de Sandy consigo próprio, perante a ausência de Norman, é uma revelação express em seis episódios que nos deixam com pena de não haver mais.

Texto originalmente publicado aqui

 

 

Sara Quelhas

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