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Peaky Blinders

Sou a Filipa, super feliz por ter encontrado um espaço para alugar. Os arrendamentos estão pela hora da morte. Tenho Netflix Premium. Não dou a password. Façam o favor de entrar, com «Peaky Blinders».

Não vou mentir. Já me tinham falado desta série, mas nunca prestei a mínima atenção. Não me orgulho de admitir que só o fiz quando soube que o Tom Hardy entrava na segunda temporada. Lá fui directamente ao início dessa temporada (atentem no pormenor de nem sequer ter começado pela primeira), para ver se o Hardy ficava bem vestido de judeu de início de século XX.

Lá começa com um funeral. De quem? Não sei. Surge o protagonista de olhos azuis. “Olha o Agostinho falta de ar daquele filme no avião. Só me faltava este”. A meio do terceiro episódio, pus em pausa e pensei: “Ok. Isto é bom. Isto é muito bom. Se calhar é melhor ver desde o piloto”. E foi a última vez que alguém me pôs a vista em cima durante um par de dias.

Enquanto os Estados Unidos se debatiam com a Lei Seca, a Inglaterra está a sair da Primeira Grande Guerra. O palco é Birmingham. Esqueçam Londres. É em Birmingham, na classe operária, por entre um cenário industrial, que se sente o verdadeiro peso desse ano de 1919 onde uns morreram e outros regressaram. E não há melhor época para o surgimento de gangues. O bom de Peaky Blinders é que se baseia na vida real. Estes tipos existiram mesmo. A série é uma versão muito superficial do bando. O nome vem das lâminas que usavam na pala das boinas. Uma cabeçada no adversário e os olhos destes ficavam cobertos de sangue. Pelo menos, é esta versão que o produtor, Steven Knight, seguiu.

Cillian Murphy passa do “Gajo com cara esquisita do coiso do avião… Como é que se chamava o filme? Red?” a “actor genial” num curto espaço de tempo. Arrisco-me a dizer que será o melhor papel dele até à data. A rodear o cabecilha da família cigana, está um elenco de luxo onde constam nomes como Sam Neill, Helen McCrory e Paul Anderson. Basta lembrar que os filmes de Agatha Christie são a versão britânica dos Morangos com Açúcar, onde muitos actores iniciam a carreira televisiva. Isto são actores habituados a palcos e nota-se.

“Ciganos? Mas são tão brancos”. Primeiro, isto é Inglaterra. Segundo, vão à Wikipedia que eu não dou aulas de História. Terceiro, Brad Pitt no filme Snatch. Não é só a convulsão social do pós-guerra e a criminalidade que são retratados. A xenofobia está presente. A questão da Irlanda já é pertinente. O papel da mulher na sociedade é transmitido de forma exímia pelas personagens femininas da família Shelby. Se como eu, acordaram esta semana para descobrir que a violência doméstica pode ser justificada nos tribunais portugueses, vão adorar a Tia Polly, a Ada e a Esme. De copo na mão, aí vão elas para o fórum lutar pelo voto.

A BBC sempre nos habituou a excelência nas séries de época. Peaky Blinders não é excepção. Chega a exceder o patamar elevado. Da fotografia ao argumento, do guarda-roupa aos sotaques, está tudo pensado ao pormenor. Não é fácil retratar violência, crime, sexo, sem cair em algum tipo de vulgaridade. A série está recheada de tudo isso, mas nunca ultrapassa uma certa elegância decadente.

Todas as temporadas de Peaky Blinders estão disponíveis na Netflix. Se não possuem o serviço, roubem a password a alguém. Levem boina.

Não quero ser “aquela pessoa” que vos manda ver a série x ou y porque é fenomenal. É meio caminhado andando para perderem a vontade. Mas… Vejam a série.

Filipa Mota

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