Pátria: o lado B de um conflito histórico e violento

Tive acesso antecipado à minissérie «Pátria», baseada no best-seller de Fernando Aramburu. A HBO estreia amanhã, 27, mais uma produção em espanhol e sobre um tema ainda bem presente na nossa memória histórica: a ETA.

De forma mais ou menos aprofundada, o conflito armado com a ETA é um assunto próximo temporalmente e que muitos ainda têm bem presente. O grupo, responsável por vários ataques terroristas, totalizou 52 anos de medo, mais de 800 vítimas e milhares de feridos. No entanto, «Pátria» coloca o protagonismo noutros números que não constam neste pequeno apanhado: os familiares de um lado (as vítimas) e do outro (os membros da ETA).

Em busca da independência total do País Basco, comunidade autónoma no Norte de Espanha, foram muito os atos violentos e terroristas protagonizados pela ETA. Como tal, o catalisador de «Pátria» é o homicídio do empresário Txato (José Ramón Soroiz), o marido daquela que será a personagem principal desta história, Bittori (Elena Irureta). Contudo, esta não é uma narrativa em linha contínua, mas sim uma viagem fluída ao longo de três décadas. Da amizade ao ódio, passando pela perda e divisões inconciliáveis.

 

Pátria: o “separatismo” das emoções

Bittori e Miren (Ane Gabarain) viram uma amizade forte ruir por causa do conflito que tomou conta do País Basco. Uma “guerra” que se estende também a outros núcleos sociais, com Bittori a ser inclusivamente marginalizada quando volta à casa de onde assistiu à morte do marido. Enquanto a opinião pública fervilha perante a promessa do abandono das armas por parte da ETA, a viúva volta com o objetivo claro de descobrir quem assassinou Txato.

O sinal da sua presença é o suficiente para deixar os vizinhos em alvoroço, nomeadamente a antiga amiga, Miren. Até porque a sua realidade é o oposto: um dos seus filhos, Joxe Mari (Jon Olivares), está preso e é um dos principais suspeitos na morte de Txato. O tema é íntimo para os moradores que, mesmo sem verem Bittori, já se sentem perturbados e referem-se a ela como a “louca”. Ninguém parece ficar indiferente ao conflito, pelo que cada peça encaixa necessariamente num lado ou noutro. Veja-se, por exemplo, quando o próprio padre toma partido e pede a Bittori para ir embora.

A abordagem de «Pátria» é muito “literária”, com um forte desenvolvimento das personagens e das suas relações. Com o conflito armado na segunda linha, são as famílias que protagonizam o drama principal, para o qual o espectador vai sendo empurrado progressivamente. Embora seja claro o lado da violência física, há uma componente emocional que é chamada ao núcleo principal da ação ao longo da minissérie. O choque, teoricamente linear, vai ganhando camadas quanto mais conhecemos os intervenientes, a sua dinâmica familiar e as lutas que vão travando nos bastidores.

Um drama histórico original, que coloca o foco num lado menos conhecido deste conflito, mas igualmente interessante de ver explorado na tela. A minissérie é baseada num livro de Fernando Aramburu, publicado em 2016, e é uma adaptação de Aitor Gabilondo para a HBO.

 

Texto originalmente publicado aqui

 

Sara Quelhas

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