Gaslit: os figurantes de Watergate

O caso Watergate é um dos escândalos mais emblemáticos da política moderna, associado à recolha ilícita de informação do Partido Democrata, com conhecimento do Presidente dos EUA, o republicano Nixon. A nova aposta do TVCine, «Gaslit», com estreia marcada para dia 22, retrata as vidas de intervenientes menos falados desta história real.

O nome Martha Mitchell não dirá muito, à partida, a cidadãos fora dos Estados Unidos; mas é esta a figura em destaque em «Gaslit», com a interpretação de Julia Roberts. A mulher de John Mitchell (um Sean Penn irreconhecível), procurador-geral dos EUA aquando da presidência e recandidatura de Nixon (Danny Winn), era considerada uma das pessoas mais honestas do meio político, não só por se mostrar contra a Guerra do Vietname, mas também por, claramente, falar mais do que seria suposto. Todavia, embora o foco fique sobre ela desde cedo, o principal objetivo de «Gaslit» é ilustrar os bastidores daquele que viria a ser conhecido como o caso Watergate, bem como a sua “explosão”.

Pessoas até agora quase “figurantes” ganham profundidade e uma backstory, ilustrando as suas motivações e ambições, que levariam à participação de um projeto de espionagem bastante questionável. A aparente envolvência do Presidente levava a que muitas segundas linhas (e não só) aceitassem participar sem hesitações de maior, a fim de agradarem à figura principal do país e, com isso, atingir outros níveis profissionais e pessoais. Uma ilusão que acabaria por ser a ruína de todos os que tentaram, qual Ícaro, tocar o “sol”.

O argumento é muito consistente e suporta a narrativa de uma base sólida, na qual vemos as personagens moverem-se e relacionarem-se. A interação entre esferas, dentro e fora do meio governamental, torna-se mais claras para o espectador, que antecipa comportamentos e estratégias dos intervenientes que lhe são dados a conhecer. John Dean (Dan Stevens) e Gordon Liddy (Shea Whigham) assumem aqui um protagonismo particular, ao acatarem instruções de hierarquias superiores e manobrarem um esquema que lhes permite recolher, ilegalmente, conversas e segredos da oposição política.

Apesar de alguns sinais exteriores, nomeadamente através de Mo (Betty Gilpin) e da própria Martha, desencorajarem decisões mais obscuras, a verdade é que a ambição se revela superior à ética e a decisão de fazer algo ilegal é muito consciente. Isto apesar de a intervenção da Procuradoria-Geral e do próprio Presidente/pessoas próximas dos Presidente deixar no ar uma certa impunidade. Uma trama interessante de observar, uma vez que a própria ficcionalização de acontecimentos reais resulta num drama bem conseguido e em personagens bens construídas, que a audiência fica com vontade de acompanhar.

Esta é uma criação de Robbie Pickering, que esteve envolvido na equipa de argumentistas de «Mr. Robot», e a realização é do também ator Matt Ross, que recentemente deu vida a Gavin Belson em «Silicon Valley». A estreia da série acontece dia 22 de novembro no TVCine Emotion, pelas 22h10.

 

Texto originalmente publicado aqui

 

Sara Quelhas

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