Expats: uma masterclass sobre a tragédia e a culpa

Três mulheres expatriadas, em Hong Kong, vivem o rescaldo de uma tragédia impactante. Nicole Kidman é o principal destaque da nova série da Amazon Prime, «Expats».

«Expats» avisa, logo na introdução, ao que vem: num mundo repleto de tragédias irreversíveis, onde as vítimas são protagonistas de uma história que não pediram, o que fica dos culpados? O que fica de pessoas corretas que têm uma atitude irresponsável, mas cujo preço é demasiado alto? Não sabemos logo porquê, mas Mercy (Ji-young Yoo) [curiosamente “misericórdia” na tradução literal] é uma dessas pessoas: algo aconteceu na sua vida, e a culpa reside no seu quotidiano até à atualidade. O que poderá fazer para ser perdoada? E, além disso, quem quererá ouvir o seu lado?

Margaret (Nicole Kidman), uma norte-americana amargurada, prepara-se para o aniversário de 50 anos do marido, Clarke (Brian Tee). Com uma aura sombria em torno do casal, há julgamento e pena por parte dos seus pares, muitos dos quais não percebem porque vão fazer uma festa “tão cedo”. Para completar o trio de protagonistas temos Hilary (Sarayu Blue), amiga e vizinha de Margaret, que se volta a aproximar dela na sequência da festa. O trio lida com a dor, nas suas diferentes formas, ao mesmo tempo que aborda temas fortes, que se tornam ainda mais difíceis por se encontrarem longe de casa e das suas zonas de conforto.

A história é bastante intensa, enverando pelos árduos caminhos que as três mulheres se encontram a ultrapassar. Ao mesmo tempo que Margaret não sabe onde se encontra o filho Gus (Connor James), mas acalenta a esperança de o encontrar, e Hilary se vê numa encruzilhada no seu casamento com David (Jack Huston), Merci tenta reorganizar a sua vida, assombrada por um incidente que provocou algum tempo antes. O posicionamento do espectador é estratégico, para que experiencie as diferentes storylines e chegue a conclusões que vão além dos acontecimentos.

Bem adaptada e com interpretações competentes, «Expats» resulta numa boa experiência seriólica, com Nicole Kidman a parecer ter tomado o gosto a este tipo de papéis, depois de «Big Little Lies», «The Undoing» ou «Nine Perfect Strangers». Por seu lado, a realização é assertiva e sóbria, aproximando a audiência do sofrimento, por vezes silencioso, dos intervenientes. A espaços, há também momentos de surpresa e tensão, que vão adensando a narrativa e mostram que nem tudo é linear.

Esta é uma criação de Lulu Wang, que também realiza os seis episódios e que deu nas vistas com o filme «A Despedida» (2019), abordando, também, um tema muito humano e intenso: a morte. O argumento é baseado no livro de Janice Y.K. Lee, publicado em 1998.

 

Texto originalmente publicado aqui

 

Sara Quelhas

Recent Posts

The Four Seasons: as estações da vida entre amigos

A Netflix tem uma nova aposta repleta de estrelas: «The Four Seasons». Quando uma decisão…

2 meses ago

Daqui Houve Resistência: do Norte soprou a liberdade

Tive acesso antecipado aos três primeiros episódios de «Daqui Houve Resistência», da RTP1. A série…

2 meses ago

Black Mirror: o futuro é agora – e continua desconfortável

Se o futuro tivesse um espelho, o reflexo seria mais sombrio do que esperamos… Como…

2 meses ago

Especial The Last of Us

Na Metropolis número 117, escrevo sobre a série do momento: «The Last of Us». Na…

2 meses ago

The Handmaid’s Tale: o que a distopia ainda tem para dizer

A sexta e última temporada de «The Handmaid’s Tale», com emissão em Portugal no TVCine,…

2 meses ago

Your Friends & Neighbors: roubo de aparências

Quando a carreira de Andrew Cooper desmorona, ele faz o que qualquer ex-magnata sensato faria:…

2 meses ago