Dope Girls: um outro lado dos “loucos anos 20”

Inspirada na jornada de várias mulheres em Londres, pós-Primeira Guerra Mundial, «Dope Girls» recupera a difícil trajetória de figuras reais que se reinventaram na cena noturna da cidade. Baseada em factos históricos, a série da BBC, que estreou recentemente na Max, constrói uma narrativa independente e envolvente, tendo como foco principal a personagem interpretada por Julianne Nicholson.

Soho, Londres, anos 20. Numa realidade marcada pelo trauma da Guerra, pelo regresso dos maridos e pelas redobradas dificuldades das mulheres, assistimos à popularidade dos clubes noturnos, ao tráfico de drogas e à luta feminina por mais poder e independência. E, por vezes, apenas sobrevivência. Este é um período de grandes transformações sociais, onde os excessos e o hedonismo contrastam com a repressão e a desigualdade, contribuindo para a expansão de um submundo vibrante, perigoso e sedutor, que serve também para redescobrir os papéis de género e desafiar as normas da época.

A série é inspirada no livro Dope Girls: The Birth of the British Drug Underground, de Marek Kohn, publicado em 1992, recuperando – ainda que por meio da ficção – as vivências impressionantes de Kate Meyrick (que ficou conhecida como a “Night Club Queen”), Billie Carleton (atriz que não teve um trajeto glamouroso) e Edgar Manning (conhecido como o “dope king”).

No pequeno ecrã, as diferenças começam logo nos apelidos. Aquelas podem ser representações de pessoas reais que marcaram a época, mas são, ao mesmo tempo, interpretações livres e ficcionais das provações que terão vivido. «Dope Girls» acompanha Kate Galloway (Julianne Nicholson), que, após uma tragédia pessoal, se muda para Londres com a filha Evie (Eilidh Fisher) e acaba envolvida no vibrante, mas perigoso, mundo dos clubes ilegais. Por sua vez, ganha também destaque Billie Cassidy (Umi Myers), uma dançarina boémia com uma ligação à protagonista, e Violet Davies (Eliza Scanlen), uma das primeiras mulheres a integrar a polícia londrina.

Com uma realização vibrante, que recorre ao texto e a contadores improvisados para pautar o ritmo dos acontecimentos, a série não se prende demasiado ao género que pretende explorar (drama histórico) e abusa da criatividade para moldar uma narrativa dinâmica e com marca própria. Ao misturar elementos visuais modernos com uma recriação autêntica da época, «Dope Girls» oferece uma abordagem inovadora, fugindo aos dramas de época tradicionais, enquanto aposta numa estética arrojada e num tom que oscila entre o realismo e a teatralidade.

O pós-Primeira Guerra Mundial foi um período de mudança para as mulheres britânicas (e não só). Muitas tinham assumido funções tradicionalmente masculinas durante o conflito, conquistando independência financeira e uma nova visão sobre o seu papel na sociedade. Algo que se tentou “apagar” com o fim da Guerra e o regresso dos soldados. «Dope Girls» captura essa tensão e retrata mulheres que se recusam a voltar, por vontade ou consequência, para os papéis convencionais de esposas e mães, escolhendo a independência: ainda que isso signifique navegar pelo mundo perigoso dos clubes noturnos, do tráfico e da prostituição.

 

Texto originalmente publicado aqui

 

Sara Quelhas

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