Não podem perder Dead to Me, saibam porquê

«Dead to Me» é comédia, mas também é drama; é mistério, mas tem muita ação. E, melhor do que tudo, apresenta Christina Applegate e Linda Cardellini na máxima força. Depois de «After Life», de Ricky Gervais, a Netflix aposta em mais uma série que aborda o luto de maneira original. Embora a premissa assente em esquemas narrativos que já vimos antes, as personagens centrais entregam-lhe a dinâmica necessária para agarrar o espectador ao pequeno ecrã.

Quando tento explicar às pessoas porque devem ver «Dead to Me», cuja primeira temporada está disponível na Netflix desde o dia 3 de maio, sinto um déjà vu. Assim como em «This is Us», tenho a tarefa ingrata de escrever sobre uma série sem contar o seu truque, ainda que este não demore a ser identificado. É que antecipar a revelação, que acontece sobretudo em dois momentos, tira grande parte da piada à trama protagonizada por Christina Applegate e Linda Cardellini. Felizmente, nem só de twists vive o original da Netflix que, antes de mostrar ao que vem, consolida a narrativa e organiza-a em camadas, sem receio de tornar mais elaborado um universo que poderia ser mais simples. E a série ganha com isso.

“Grief does some weird shit to people”, o desabafo de Jen (Applegate) acerta-nos como uma seta no segundo episódio de «Dead to Me». Esta é provavelmente a frase que melhor resume a história do original criado por Liz Feldman, que volta a tentar a sorte depois do fracasso de «One Big Happy». A recém-viúva Jen junta-se a um grupo que visa apoiar pessoas que passaram por situações idênticas de perda, e é lá que conhece a extrovertida Judy (Cardellini), que também viu o noivo partir cedo demais. Entre muita comédia e algum drama, «Dead to Me» vai fortalecendo aquele que será o seu principal núcleo, Jen e Judy, com o sofrimento a aproximá-las na partilha e na redescoberta das coisas simples da vida, como uma boa série ou um passeio sem destino. Até que Steven (James Marsden) entra em jogo. E, perdoem-me, aqui vou ter de abrir um pouco o jogo.

Steven é o noivo de Judy, vivinho da silva, mas que supostamente tinha morrido. Este é um momento «Clube de Combate» (1999), com uma personagem a frequentar grupos de apoio onde não se enquadra, assim como acontecia no filme com Helena Bonham Carter. O conflito resolve-se facilmente, atingindo o seu ponto alto com Jen num momento público de fúria, onde desmascara a nova amiga. Apesar do ritmo apressado, as mudanças de humor são coerentes em «Dead to Me», sendo que tudo o que toca o seu expoente máximo tem depois de descer, resultando numa espécie de série bipolar. Jen faz meditação ao som de metal, os vizinhos tentam consolá-la com receitas inventivas, há uma obsessão da viúva em descobrir quem atropelou fatalmente o marido, as relações precipitam-se, a revolta perante as forças da autoridade também e o resultado é um caos organizado que agarra o espectador do princípio ao fim.

Christina Applegate e Linda Cardellini não são meramente o instrumento que consolida a ação, mas também as vozes da mensagem que Liz Feldman quer passar. Há, por exemplo, um momento em que Jen critica a ‘colagem’ da mulher à loucura, quando o sexo feminino se mostra incapaz de gerir a imensidão de emoções que sente e é assim conotoda pelo homem. A mesma frontalidade é aplicada na hora de verbalizar a dor, cuja discussão é explorada não apenas entre adultos, mas também com os filhos menores, que lidam com a morte do pai de formas diferentes. O comportamento de Jen não encaixa no padrão social de mulher bem comportada e de poucas ‘ondas’, indo ao encontro até da personagem de Ricky Gervais em «After Life», o que torna a sua personagem uma das figuras femininas mais interessantes da história recente da televisão.

 

Sara Quelhas

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