Alguém Tem de Morrer: o maior crime é o preconceito

A Netflix estreia amanhã, 16, a minissérie espanhola «Alguém Tem de Morrer». A aposta retrata a Espanha Franquista dos anos 50, perante o “choque” da homossexualidade e dos “vermelhos” da esquerda. Tive acesso antecipado aos dois primeiros episódios.

Depois de «A Casa das Flores», Manolo Caro regressa com um novo original: «Alguém tem de Morrer». A minissérie, composta por três episódios, retrata a história de um jovem espanhol e do seu amigo bailarino e mexicano na Espanha Franquista e preconceituosa dos anos 50.

Gabino (Alejandro Speitzer) regressa a casa depois de 10 anos no México. Com ele vem Lázaro (Isaac Hernández), um bailarino promissor, que é colocado logo de parte pelo preconceito de que todos homens que dançam são homossexuais. Os rumores de que os dois mantêm um relacionamento amoroso não tardam, o que se torna ainda mais perigoso já que o pai de Gabino, Gregorio (Ernesto Alterio), trabalha numa prisão e tem uma reputação a manter. Ali, os homossexuais são torturados para denunciarem parceiros e são violentados rotineiramente.

O mesmo tratamento tem a oposição de Franco. Os denominados “vermelhos” são marginalizados pela sociedade, a par dos seus familiares. A liberdade é uma utopia e, até nas próprias casas, os espanhóis não são livres de serem quem são. Além do preconceito para com os mexicanos e o México em si, Gabino e Lázaro são marginalizados pelas suspeitas que vão surgindo, e que se intensificam quando o primeiro é instigado a casar com Cayetana (Ester Expósito)… e não quer.

«Alguém tem de Morrer» funciona como um filme mais extenso, que recupera a Espanha Franquista e preconceituosa que se viveu no país vizinho. A ditadura não é apenas política, ainda que a oposição de esquerda tenha algum destaque, mas sobretudo social e inter-relacional. Em evidência está também a Dona Amparo (Carmen Maura), a matriarca da família central, que tenta a todo o custo manter a moral e bons costumes.

A narrativa é sólida e a história bem ritmada e complexa. Há a perspetiva das vítimas, que assumem esse papel simplesmente pela falta de aceitação dos pares, e também dos culpados. As personagens destacam-se nesse papel ora como autoridade, ora como denunciantes, mesmo quando não há certezas ou provas do que acusam. A lembrar a PIDE, em Portugal, e o clima de medo que se vivia então. É fácil, portanto, criar empatia com as personagens e identificar paralelismos com a nossa história.

 

Texto originalmente publicado aqui

 

Sara Quelhas

Recent Posts

The Four Seasons: as estações da vida entre amigos

A Netflix tem uma nova aposta repleta de estrelas: «The Four Seasons». Quando uma decisão…

2 meses ago

Daqui Houve Resistência: do Norte soprou a liberdade

Tive acesso antecipado aos três primeiros episódios de «Daqui Houve Resistência», da RTP1. A série…

2 meses ago

Black Mirror: o futuro é agora – e continua desconfortável

Se o futuro tivesse um espelho, o reflexo seria mais sombrio do que esperamos… Como…

2 meses ago

Especial The Last of Us

Na Metropolis número 117, escrevo sobre a série do momento: «The Last of Us». Na…

2 meses ago

The Handmaid’s Tale: o que a distopia ainda tem para dizer

A sexta e última temporada de «The Handmaid’s Tale», com emissão em Portugal no TVCine,…

2 meses ago

Your Friends & Neighbors: roubo de aparências

Quando a carreira de Andrew Cooper desmorona, ele faz o que qualquer ex-magnata sensato faria:…

2 meses ago