À Procura de Alaska: uma tragédia anunciada

«À Procura de Alaska» chega à HBO Portugal hoje, 19 de outubro. 

Quando é atirado para o “vazio”, Miles Halter (Charlie Plummer) partilha com o espectador uma das suas fragilidades: apesar de ser obcecado com últimas frases de pessoas conhecidas antes de morrerem, é péssimo a idealizar a sua.

Porque, embora «À Procura de Alaska» se desenvolva a um ritmo fluído e fortemente apoiado pelo estilo literário, sobretudo ao nível do argumento adulto e longo, pouco habitual entre adolescentes, a vida não tem a criatividade de um livro. E este fosso entre uma história pensada ao pormenor de cada palavra com a iminência da deceção perante o risco presente da morte, molda as personagens e o que esperamos delas.

Mas nem só de tragédia vive a mais recente aposta da HBO.

É caso para dizer, adaptando: quer não quer ser de nicho, não lhe vista a pele. Josh Schwartz (uma das mentes por detrás de «The O.C», «Chuck» e «Gossip Girl») e Stephanie Savage, os criadores por detrás desta adaptação do livro de John Green com mesmo nome, criam uma série à medida de quem leu a obra original, publicada em 2005, ao mesmo tempo que piscam o olho a quem tem devorado dramas juvenis como «Por Treze Razões» ou «Sex Education».

Miles Halter é o protagonista e narrador desta história. Numa escola nova, fora da sua zona de conforto e perante os desafios e experiências próprios da adolescência, tenta encontrar o seu “grande talvez”. O épico prometido por um qualquer poeta francês às portas da morte, na dúvida do que vem depois do fim; as frases antes do último suspiro são, aliás, uma das relíquias que Miles mais gosta de partilhar. Será este “grande talvez” Alaska (Kristine Froseth), a jovem aventureira e misteriosa que integra o seu grupo de amigos?

Numa linguagem adulta e “literária”, os jovens do secundário têm, a espaços, conversas bastante elaboradas e pouco comuns na idade, algo que destoa do habitual argumento da televisão juvenil. Tal acontece num esforço por preservar o ambiente criado do livro original, muito introspetivo e assente em questões existenciais fortes, que marcam o rumo das personagens centrais.

Por entre os seus pensamentos ensurdecedores, encontra-se a descoberta do primeiro amor, dos que surgem entretanto, e de um futuro que está cada vez mais perto. Ou do passado que teima em não permitir que esse passo se dê com firmeza. Entre os momentos de sofrimento e de euforia, encontra-se a dúvida que, em maior ou menor escala, marca o crescimento de toda a gente.

O final anuncia-se trágico desde o primeiro momento, ainda que com muitos pontos de interrogação. Além da forte componente narrativa, de ambientação muito próxima da literária, como já referido, «À Procura de Alaska» reúne os ingredientes-tipo que se esperam de uma série do género: romance, bullying, intriga e muita incompreensão. Desenhada para não desagradar aos fãs de Green, promete arrecadar também alguns adeptos entre os espetadores mais céticos. Já o elenco jovem tem qualidade, merecendo ainda destaque Timothy Simons («Veep») e Ron Cephas Jones («This is Us»).

In Metropolis

Sara Quelhas

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