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Welcome to Utmark: a terrível morte da utopia

A HBO estreia amanhã, 18, o drama nórdico «Welcome to Utmark», uma série que aborda o improvável conflito entre um homem fracassado e um Lapão, muito ligado às forças da Natureza. Descobre a minha opinião sobre a próxima estreia do streaming.

Quando, no segundo episódio, Kari (Kamilla Grønli Hartvig), a professora recém-chegada, pergunta à sua turma o que é uma utopia, o espectador tem a pista mais descarada do que é, afinal, «Welcome to Utmark». Não falamos de utopias complexas, dignas de um qualquer mundo fantástico e repletas de significados escondidos. Mas sim da utopia do banal, da ilusão de um futuro risonho que se transforma em monotonia: algo que antes nos moveu, mas que ao ser atingido se revelou um “sonho”.

A fotografia é um dos grandes destaques da produção da HBO Europe. Os tons, ora escuros, ora mais iluminados, demonstram esta dupla face do destino que se apresenta de sonho… mas rapidamente se revela um pesadelo. O discurso animado de Kari, acabada de chegar para dar aulas, encontra o seu contraste no rosto das outras personagens, mergulhadas numa rotina regular e sem nada de excitante nas suas vidas. Assim que algo diferente surge, não tarda a ser “consumido” pelo contexto do espaço e da ação.

A localidade que visitamos pode ser pacata, mas as personagens são bastante complexas. O conflito mais entusiasmante acontece entre um homem local, Finn (Tobias Santelmann), cuja subsistência depende das suas ovelhas, e o Lapão Bilzi (Stig Henrik Hoff). Primeiro porque o cão de Bilzi mata várias ovelhas a Finn, depois porque também lhe leva a mulher (Marie Blokhus) e a filha (Alma Günther). Sem nada, Finn vinga-se no álcool e num comportamento autodestrutivo.

Mas nem só dos seus protagonistas vive «Welcome to Utmark». A trama viaja por entre as particularidades próprias de local isolado, atrativo para rumores e mitos. Se a ideia da existência de um lobo afasta a população dos bosques, é a dor que os aproxima, ainda que nem sempre da melhor forma. O luto é corporizado numa mágoa transcendente, mas também pode resultar numa possessão (ou será apenas rumor?), que reforça o lado místico em que a localidade acredita. E uma coisa é certa: são muitos os que se aproveitam desta ingenuidade.

O fio condutor de «Welcome to Utmark» reside sobretudo na diferença entre o humano e o natural, isto, é a componente mundana – que as pessoas controlam – e da Natureza, impossível de conter. E que aqui funciona também como destino. Quem destrata a Natureza e os seus agentes, vai acabar por pagar; quase como um karma cósmico em que tudo, mais cedo ou mais tarde, volta ao lugar certo. Mas será que também há uma hipótese de justiça do outro lado? E, se sim, qual o preço a pagar por ela?

«Welcome to Utmark» é um drama de traços simples, com diálogos diretos e ação imediata, mas que leva o seu tempo a encontrar um epílogo. Ideal para quem gosta de séries como «Beartown», também da HBO. A aposta é uma criação de Dagur Kári (O Grande Fusí) e Kim Fupz Aakeson.

Texto originalmente publicado aqui

 

 

Sara Quelhas

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