The Undoing: a queda aparatosa da classe alta

A dupla David E. Kelley e Nicole Kidman parece ter vindo para ficar. «The Undoing», cuja estreia foi adiada pela Covid-19, é a mais recente aposta da HBO Portugal. Já assisti a cinco dos seis episódios e escrevo sobre o que aí vem.

É já amanhã, 26, que estreia o primeiro episódio de «The Undoing», uma das minisséries mais aguardadas no catálogo da HBO em 2020. Agendada para maio, acaba por chegar só agora ao serviço de streaming, na sequência dos atrasos provocados pela pandemia da Covid-19. A trama, adaptada para TV por David E. Kelley, é inspirada pelo livro Já Devias Saber… Agora é Tarde Demais [You Should Have Known no título original], de Jean Hanff Korelitz. Mas não o segue à risca.

À medida de quem gostou de «Big Little Lies», «The Undoing» retrata um caso de homicídio que provoca uma reviravolta na classe alta de Nova Iorque. As duas séries têm em comum Nicole Kidman e David E. Kelley, que já têm encontro marcado na série «Nine Perfect Strangers», baseada num livro de Liane Moriarty, a autora que já tinha inspirado o sucesso protagonizado por Kidman e Reese Witherspoon.

A realização de «The Undoing» ficou a cargo de Susanne Bier, que já se tinha destacado em «O Gerente de Noite», minissérie que lhe valeu um Emmy.

 

The Undoing: as vidas perfeitas vivem de falsas aparências

A banda sonora, apoiada em sonoridades clássicas, lança o mote do que se avizinha: um assassinato macabro, com o filho da vítima e descobri-la já sem vida. A ação recua apenas dois dias, colocando as peças deste tabuleiro de xadrez nas suas posições. Grace Fraser (Nicole Kidman) destaca-se desde o início, nomeadamente pela sua capacidade analítica. No entanto, nas falhas que aponta aos seus pacientes, não demoramos a encontrar as dela.

Elena Alves (Matilda De Angelis), mãe de um bolseiro no reputado colégio onde estuda o filho dos Fraser (Noah Jupe), influencia a dinâmica natural das coisas. Primeiro, intromete-se na organização de um evento de recolha de fundos, depois começa a aparecer frequentemente na vida de Grace. A aparente obsessão termina rápido, com o homicídio de Elena. Contudo, quando esta história parecia ter chegado ao fim, Jonathan Fraser (Hugh Grant) torna-se o principal suspeito. Mas como?

Nada é o que parece em «The Undoing». Hugh Grant volta a vestir a pele de bon vivant, apenas para quebrar o mito em pouco mais de um episódio. Ainda assim, nada deve ser tomado como certo na narrativa, uma vez que há demasiadas pontas soltas e a trama só mostra o que quer, e quando quer. Assim como um detetive que tenta fazer sentido da informação que recebe, também o espectador procura organizar a noite do crime e, assim, acertar no “bitaite” do culpado. Estamos perante um jogo de disfarçar o óbvio, ou há mesmo algo mais por detrás da morte de Elena?

Por outro lado, instala-se um circo mediático. A premissa do homem rico e aparentemente sem falhas atrai todas as atenções, nomeadamente como representação da falta de punição para os mais poderosos. Já o papel de esposa submissa (e até cúmplice) é dado a Grace, por mais ativa que ela se revele. Muito inteligente, vê a sua capacidade toldada pela proximidade dos envolvidos, e nem a razoabilidade do pai (Donald Sutherland) a retira deste ciclo vicioso.

«The Undoing» vive da gestão de duas bolhas — a que se cria e a perceção de que ela não existe. Há uma “bolha” protegida em que vivem as famílias mais ricas, com dinheiro para pagar a melhor formação (há um plano genial a meio do primeiro episódio que funciona como metáfora); mas esta é tão frágil que se desfaz ao mínimo gesto. Contas feitas, ela nunca existiu — apenas a ilusão de que ela estava lá e a classe alta era, por isso, intocável. Conforme a investigação se vai desenvolvendo, mais invadida é a vida dos Fraser, até ficar totalmente fora do seu controlo.

Ao elenco já mencionado juntam-se Lily Rabe (American Horror Story), Edgar Ramírez (American Crime Story), Ismael Cruz Cordova e Douglas Hodge.

 

Texto originalmente publicado aqui

 

Sara Quelhas

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