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The Innocents: o aluno mais esforçado nem sempre é o melhor

Os ingredientes estão todos lá, mas a receita de «The Innocents» acaba por se revelar um desastre. Nem tudo o que tem drama de adolescentes é «Por Treze Razões», nem tudo o que é lento vicia como «House of Cards» ou «The Crown». E a combinação das duas estratégias não é sinal de sucesso. Estreou hoje, 24, às 8 horas. (Para a Metropolis)

Depois do êxito de séries como «Stranger Things» e «Por Treze Razões», com elencos mais jovens, foi natural a Netflix procurar replicar a fórmula noutros originais. Surgiram então criações na mesma linha como «Atypical» e «The End of the F***ing World», entre outras, e temos assistido cada vez mais ao fortalecimento da aposta na aquisição dos direitos de séries como «Pequenas Mentirosas», «Gossip Girl» ou «Flash». Como tal, o surgimento de dois originais idênticos, «Insatiable» e «The Innocents», em datas tão próximas e em plenas férias escolares não é coincidência.

A quantidade de episódios que os meios enviam com antecedência à imprensa não é, também, inocente. «The Innocents» é, uma vez mais, sinal de uma estratégia: a Netflix disponibilizou quatro episódios, o que corresponde a metade da primeira temporada. Além disso, e após três episódios de ritmo lento e sem acontecimentos chocantes (para quem já tiver conhecimento da sinopse), o quarto episódio marca uma mudança e torna o mistério verdadeiramente interessante, anunciando uma eventual melhoria qualitativa. Quase dá vontade de deixar uma sugestão inusitada: comecem pelo episódio 4 e vejam os três primeiros no final para contextualização.

«The Innocents» gira em torno da história de amor de June (Sorcha Groundsell) e Harry (Percelle Ascott), dois adolescentes que vivem uma paixão proibida e decidem fugir de casa. Embora pareça inicialmente um drama adolescente ‘comum’, a presença permanente do outro lado da trama, protagonizado por Guy Pearce, prepara-nos logo para o que aí vem. Halvorson (Pierce) é um cientista misterioso, que trabalha com um conjunto de mulheres com capacidades extraordinárias: transfiguram-se e transformam-se na pessoa que tocarem (pele com pele) nesse processo. Desde cedo percebemos que June é uma peça desse puzzle, ainda que a resposta seja dada de forma faseada.

A parte mais interessante é, portanto, colocada como secundária em detrimento de um romance sensaborão. Sorcha e Percelle não têm a capacidade de atores como Katherine Langford («Por Treze Razões»),  Millie Bobby Brown («Stranger Things») ou Skylar Gaertner («Ozark»), o que acaba por castigar o potencial interesse nas personagens. Ironicamente, os momentos mais interessantes de June são aqueles em que a adolescente se transforma e, consequentemente, é interpretada por outro ator ou atriz. A exigência por detrás de dar corpo a uma personagem, que deve ser reconhecível quando todo o exterior é irreconhecível, é um trabalho árduo e vários atores se mostram à altura do desafio. O que, em contrapartida, torna ainda mais evidente o desinteresse do casal de adolescentes.

Não é fácil prever como a audiência vai reagir a este original da Netflix. Embora combine duas artimanhas narrativas que já se revelaram bem-sucedidas – os intérpretes mais jovens e o ritmo lento do argumento –, o resultado não se revela um sucesso. O facto de atrasar sucessivamente as revelações, e de depois as apressar, deixa «The Innocents» e o público numa relação complicada que, apesar de tudo, pode ser salva pelas interpretações do outro mundo de Jóhannes Haukur Jóhannesson (que passou brevemente por «A Guerra dos Tronos») e Guy Pearce (as paisagens da Noruega também são imperdíveis). Os problemas estruturais podem estar relacionados com a inexperiência dos criadores, Simon Duric e Hania Elkington, mas casos como o de «Gypsy», protagonizada por Naomi Watts e que foi cancelada após uma temporada, já vieram provar que a falta de traquejo se paga caro.

Texto escrito para a revista Metropolis.

 

Sara Quelhas

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