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The Handmaid’s Tale: o medo contra quem perdeu tudo

Oito Emmys e dois Globos de Ouro depois, «The Handmaid’s Tale», a melhor série de 2017 está de regresso para uma segunda temporada. Todas as quintas-feiras há novo episódio no NOS Play, um dia depois da estreia nos Estados Unidos. Texto originalmente publicado na Metropolis.

Há uma linha, extensa mas ténue, que separa as ideias desumanizantes da sua concretização: o poder de quem as defende. Assim como acontece em distopias como 1984, de George Orwell, é na desvalorização do perigo que ele vence, pois é nesse momento que as defesas estão em baixo. Também a poderosa «The Handmaid’s Tale», baseada na obra de Margaret Atwood publicada nos anos 80, polariza esta ameaça presente na sociedade e que, mediante uma organização consertada, pode mesmo tornar-se real. Tanto na atualidade de Atwood, em 1985, com uma Alemanha ainda dividida pelo Muro de Berlim, como naquela em que surge a série, mais de 30 anos depois.

Os novos episódios de «The Handmaid’s Tale» mantêm o nível de intensidade e o ‘peso’ emocional nos píncaros, sem qualquer momento de comédia ou acalmia para personagens e espectadores. Vem confirmar, em todo o caso, que a série criada por Bruce Miller tem potencial para voltar a ‘limpar’ as cerimónias de prémios, ainda que agora o hype tenha de ser dividido com séries como «Westworld» ou o regresso de «The Crown», cheia de caras novas. A exigência está lá em cima, mas o que são as nossas expetativas para quem já tem de lidar com uma sociedade totalitária e absolutista, certo?

Mas não se trata somente de uma obra aterrorizante e autocrítica, trata-se, sobretudo, de uma ode à esperança. Porque é que numa realidade desprovida de liberdade e de otimismo, algumas personagens continuam a acreditar no derrube do regime da República de Gilead? E nós, enquanto espectadores, torcemos cada vez mais para que isso aconteça. Na obra original, a autora deixa um final em aberto, ao qual o leitor procura (e tem liberdade para) dar sentido, mas a série, de regresso ao NOS Play, promete oferecer mais respostas. É que, regressados do hiatus, é-nos dada uma resposta que demorou décadas: para onde foi Offred (Elisabeth Moss) quando entrou naquela carrinha preta?

 

As construções sociais nasceram para ser desafiadas em «The Handmaid’s Tale»

Tanto o medo como o poder, pedras basilares da trama protagonizada por Elisabeth Moss, são fundamentos bem conhecidos da vida em sociedade. Só que em «The Handmaid’s Tale», a combinação entre o poder e a exploração do medo nos outros escala a um nível completamente astronómico, convertendo as Handmaids [Aias, em português] em verdadeiras marionetas. Tudo porque a esperança, essa teimosia maldita que nos leva a desejar um final feliz, ainda permite que tenham medo de perder o pouco que lhes resta. Apenas numa situação de desespero total, como aquela em que Emily (Alexis Bledel) vive, as pessoas podem derrubar essa vantagem: se acreditarmos não ter nada, não temos nada a perder.

Há, portanto, uma espécie de linha invisível – mas crucial – que neste momento da ação separa os diferentes intervenientes. Offred tem a confiança de que não pode ser maltratada, afinal tem no ventre o herdeiro da família Waterford e sabe que o poder de castigar só é esbatido pelo das consequências, sendo que enquanto estiver grávida está segura. Mas, e depois? Seguirá para as Colónias como Emily? Ou acabará por fazer a mesma escolha que Moira (Samira Wiley), e assim servir de entretenimento no Jezebels até os homens se fartarem dela? Mais uma vez a esperança, até mesmo nos momentos em que pensamos nem poder existir, se torna a verdadeira Kryptonite desta narrativa. E aí ressurge o poder do medo.

Com uma estreia em dose dupla, a segunda temporada prepara o espectador para um ‘habitat’ bem diferente daquele que serviu de palco a «The Handmaid’s Tale» na primeira temporada. Por um lado, é levantado o pano sobre aquilo que espera Offred e companhia e, por outro, são finalmente introduzidas as malfadadas Colónias, para onde tinha sido remetida Emily. Da mesma forma, e agora que se sabe como se vive para lá da fronteira, podemos antecipar mais novidades acerca da nova realidade de Moira, e do que Luke (O-T Fagbenle) será capaz de fazer para recuperar a sua família. No entanto, este puzzle só fica completo com Nick (Max Minghella), o Olho na casa dos Waterford, e o pai do bebé que Offred espera. Destaque também para a participação de Marisa Tomei no segundo episódio, e que já está a ter buzz para uma possível nomeação ao Emmy de Atriz Convidada, vencido em 2017 por Alexis Bledel, entretanto promovida ao elenco regular.

 

Sara Quelhas

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