The Crown: a serenidade que contrasta com o caos

Desde que foi anunciada como a “nova” Rainha Isabel II, em 2017, Olivia Colman tornou-se um fenómeno de popularidade. Foi uma das estrelas no elenco estrondoso de «Um Crime no Expresso do Oriente» (2017), consolidou o seu papel em «Fleabag», que lhe valeu o Emmy de Melhor Atriz Convidada em setembro, e ganhou o Óscar, o BAFTA e um Globo de Ouro (já tinha vencido um há dois anos com a minissérie «O Gerente da Noite») por interpretar outra rainha, a Anne, em «A Favorita» (2018). Melhor do que qualquer campanha de marketing que a Netflix pudesse ter pensado. Agora está em «The Crown».

Em «The Crown», Claire Foy despede-se da Rainha Isabel II em 1963 e entrega-a a Olivia Colman em 1964. O “salto” temporal, que justifica a mudança de elenco, não foi tão amplo como alguns imaginariam, mas traz uma rainha ainda mais Real e menos efusiva do que a sua versão mais jovem. O casamento com Philip, agora interpretado por Tobias Menzies («A Guerra dos Tronos» e «Outlander»), atravessa uma fase menos conturbada – depois de uma segunda temporada brutal – e estabelece-se em segundo plano, numa T3 marcada pela relação turbulenta entre a irmã Margaret (Helena Bonham Carter) e Tony Armstrong-Jones (Ben Daniels). E, ainda, pela entrada do Príncipe Carlos (Josh O’Connor) na idade adulta, bem como o início da sua relação com Camilla Parker Bowles (Emerald Fennell), então Camilla Shand.

O mundo também não para: John Lithgow regressa para se despedir do seu Winston Churchill, enquanto Jason Watkins assume o comando do destinos do Reino Unido com Harold Wilson, um político que pouco ou nada simpatiza com a Monarquia. Por sua vez, o País de Gales sobressalta-se com uma tragédia, à qual a série dá contexto com Charles – que também terá a sua dose de antimonárquicos –, e Lyndon B. Johnson (Clancy Brown) revela um lado menos “amigo” dos Estados Unidos, incomodado com a falta de apoio do Reino Unido no Vietname. Já a chegada de Neil Armstrong à lua deixa Philip a repensar a sua vida…

Enquanto tudo se sucede a um ritmo impressionante, Isabel II apresenta-se cada vez mais “intocável”. É cada vez mais Rainha e menos Claire Foy, então uma mulher mais emocional à procura do seu lugar entre a vida pessoal e as exigências do reinado. Olivia Colman diz muito mais no silêncio, nos seus olhares e trejeitos pensados ao pormenor, do que no seu discurso – que, como prova do seu perfeccionismo, também se estende ao modo de falar. É uma rainha que vive sozinha e guarda para si o que pensa, um comportamento incentivado pela rainha-mãe (Marion Bailey) e por quem a rodeia. Quando ela considera estar isolada, há sempre alguém que lhe dá essa certeza. Uma mensagem que, por seu lado, ela tentará passar à descendência.

Mais uma vez e sem surpresa, «The Crown» cumpre aquilo a que se propõe e é capaz de cativar a audiência, misturando o argumento – entre a inspiração real e o ficcionado – com acontecimentos que marcaram a história do Reino Unido e da Europa, sobretudo. Um “império” em queda, perante as dificuldades económicas e as novas linhas de pensamento liberais que marcam os tempos. “As moscas passam e tu continuas”: quando Margaret diz algo assim a Isabel, numa referência aos Primeiros-Ministros que ela vai ultrapassando, a série passa à nossa frente num flash. As peças encaixam e o puzzle torna-se claro: é sempre Isabel quem fica, ainda que mais apagada, depois do caos se instalar e, eventualmente, passar ou acalmar.

Provavelmente, quando a terceira temporada de «The Crown» chegar à Netflix, ouviremos falar mais em Helena Bonham Carter, extravagante mas longe da exuberância de outras personagens, do que de Olivia Colman. A sua personagem rouba o holofote mais vezes, a atriz cumpre e Margaret reclama alguma da atenção que tanto lhe faltou. No entanto, chegada a altura de prémios, Colman deverá ver a justiça ser feita como aconteceu com Claire Foy. A sua interpretação silenciosa, com vários rasgos inspirados do discurso, é algo de assombroso. Um feito notável, atendendo que a rainha é cada vez mais uma espectadora dentro da sua própria vida, aconselhada por família, funcionários e autoridades, o que molda o seu pensamento e confunde a sua humanidade com uma espécie de figura transcendental quase amorfa. Uma realeza mais próxima do seu conceito, num corte facilmente reconhecível com a personagem outrora idealizada por Foy.

Depois de Claire Foy ter brilhado como Rainha Isabel II ao longo de duas temporadas, é agora Olivia Colman quem ocupa o trono. Tive acesso pela METROPOLIS à terceira temporada completa do êxito da Netflix, com estreia marcada para dia 17.

Sara Quelhas

Recent Posts

The Four Seasons: as estações da vida entre amigos

A Netflix tem uma nova aposta repleta de estrelas: «The Four Seasons». Quando uma decisão…

2 meses ago

Daqui Houve Resistência: do Norte soprou a liberdade

Tive acesso antecipado aos três primeiros episódios de «Daqui Houve Resistência», da RTP1. A série…

2 meses ago

Black Mirror: o futuro é agora – e continua desconfortável

Se o futuro tivesse um espelho, o reflexo seria mais sombrio do que esperamos… Como…

2 meses ago

Especial The Last of Us

Na Metropolis número 117, escrevo sobre a série do momento: «The Last of Us». Na…

2 meses ago

The Handmaid’s Tale: o que a distopia ainda tem para dizer

A sexta e última temporada de «The Handmaid’s Tale», com emissão em Portugal no TVCine,…

2 meses ago

Your Friends & Neighbors: roubo de aparências

Quando a carreira de Andrew Cooper desmorona, ele faz o que qualquer ex-magnata sensato faria:…

2 meses ago