Especial Severance

“O trabalho é misterioso e importante”. No severed floor da Lumon Industries, os funcionários nunca saem do trabalho, mas ninguém sabe, ao certo, o que está efetivamente a fazer. «Severance» é a série do momento: ultrapassou «Ted Lasso» a toda a velocidade e é agora a série mais vista de sempre no streaming Apple TV+.

Mark S. (Adam Scott) tem uma vida dupla. Durante o dia, é Mark S., um funcionário da polémica Lumon, mas mal termina o turno volta a ser Mark Scout e não se lembra de nada do que aconteceu desde que chegou ao edifício de manhã. Pouco tempo depois de ser promovido a chefe de equipa, um encontro improvável leva-o a questionar tudo o que tomou como garantido.

Ao longo das últimas semanas, as minhas redes sociais, em especial o Tik Tok, foram tomadas por teorias – das mais racionais às mais absurdas – relacionadas com a série criada por Dan Erickson, e onde Ben Stiller assume as funções de produtor executivo e principal realizador. A ideia para a série distópica surgiu a Dan quando trabalhava numa fábrica de portas: “e se eu conseguisse saltar as oito horas do dia de trabalho, desligar e simplesmente despachar logo aquilo?” [The Hollywood Reporter, 2022].

Vivemos obcecados com o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, na busca permanente de uma utopia impossível de atingir. Os nossos dois “eu” misturam-se, confundem-se, ultrapassam os limites estabelecidos – a vida pessoal afeta o emprego, e vice-versa. E se fosse possível separá-las? O processo de Severance [separação entre as memórias e vivências pessoais e profissionais] leva esse contexto ao extremo.

Em «Severance», o trabalho não é apenas um espaço físico; é uma existência totalmente independente, onde a identidade e o livre-arbítrio são apagados. Os funcionários submetidos ao procedimento de separação tornam-se duas pessoas distintas: os “outies”, que assinam o contrato e vivem fora da empresa, e os “innies”, que existem apenas dentro do escritório, sem memória do mundo exterior.

O que torna «Severance» verdadeiramente desconcertante não são apenas os corredores brancos e infinitos da Lumon, mas a sensação de que os “innies” não têm qualquer margem de escolha. Eles vivem um ciclo contínuo e interminável, sem memórias nem esperança para lá daquele edifício; fechados numa prisão onde a chave da cela está nas mãos do próprio prisioneiro… Mas à distância de um elevador. Para eles, é como se trabalhassem 24/7.

Entre reuniões absurdas, regras sem sentido e recompensas infantis, a Lumon retrata uma realidade assustadoramente familiar, ainda que num universo paralelo. Será que a série exagera, ou apenas expõe a loucura do mundo empresarial e esta, por acaso, acontece num contexto de ficção científica?

 

Texto completo disponível na Metropolis 116

 

Sara Quelhas

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