Perpetual Grace, LTD: Ben Kingsley é o seu próprio deus

«Perpetual Grace, LTD», a nova aposta do NOS Play, conta com um elenco de luxo, onde se incluem Jimmi Simpson, Ben Kingsley e Jacki Weaver.

Costuma dizer-se que quando se fecha uma porta abre-se sempre uma janela. Com a HBO como concorrente em solo nacional e depois do sucesso estrondoso da aquisição de «The Handmaid’s Tale», da Hulu, o NOS Play continua a ter de baixo de olho os caminhos menos mainstream além-fronteiras. A mais recente aquisição é o drama noir «Perpetual Grace, LTD», da EPIX, criado por Steve Conrad («Patriot») e Bruce Terris. A série é um dos principais destaques atualmente em carteira do serviço, exclusivo para clientes NOS.

O filme «Fargo» (1996), e demais universo dos irmãos Coen, parece encontrar os traços discursivos de «Breaking Bad» na trama protagonizada por Jimmi Simpson («Westworld») e Ben Kingsley («Gandhi» (1982)) – e com um misterioso Terry O’Quinn («Perdidos») com cabelo. Esta tem como ponto de partida um filho (Damon Herriman) amargurado que procura dar o golpe do baú aos pais (Kingsley e Jacki Weaver), ao mesmo tempo que tenta recuperar o seu carinho. Mas, tal como acontece nas narrativas dos Coen, nenhum plano, por mais simples que pareça, corre como desejado. E os twists começam logo no episódio piloto.

Como é natural, ninguém no seu perfeito juízo contrata Ben Kingsley para interpretar simplesmente um pastor inofensivo de uma igreja do Texas. “Sou o meu próprio deus”, diz Brown a certa altura, e no caso de Kingsley somos tentados a acreditar que sim. A história tem mais camadas do que aquelas que são apresentadas ao espectador via James (Jimmi Simpson), um ex-bombeiro deprimido que assume a identidade de Paul (Damon Herriman), a pedido deste. Para o seu plano – ou pelo menos para o que nos é apresentado – resultar, ele precisa de um homem manipulável, James, e de um xerife corruptível, no caso Hector (Luis Guzmán). Os dados são colocados, estrategicamente, mas é uma questão de tempo para alguém virar a mesa do jogo.

Steve Conrad, o nome mais sonante entre criadores e argumentistas de «Perpetual Grace, LTD», já provou no passado que sabe contar histórias. Além da série «Patriot», assinou o argumento original de «Em Busca da Felicidade» (2006) e adaptou para o cinema o irresistível «A Vida Secreta de Walter Mitty» (2013). Como tal, pode esperar- se imediatamente uma narrativa com qualidade e bem estruturada, que se torna ainda melhor – como nos filmes indicados – graças aos atores escolhidos para os principais papéis. E, só por estes motivos, vale a pena espreitar o primeiro episódio, que tem inclusivamente vários truques de grande qualidade a nível de fotografia e realização.

No entanto, o pior inimigo de «Perpetual Grace, LTD» é ela própria. Colada aos trabalhos – e criadores – que lhe servem de inspiração, a série teima em cair numa teia de clichés técnicos e discursivos, que castigam o ritmo narrativo e as personagens. A espaços, há uma sensação de deja vú que nem as histórias secundárias mais inesperadas, como o astronauta, conseguem afastar o sentimento inquietante de “onde é que eu já vi isto”. Também a constante necessidade de se ‘explicar’, prolongando os diálogos por mais breve que possa parecer o assunto, contribui para o ritmo mais demorado da trama que, como tudo na TV, terá a capacidade de atrair ou afastar espectadores.

Pelo contrário, destaca-se pela positiva a dinâmica entre Kingsley e Guzmán que, quando o plano sofre o primeiro percalço, tem de transportar o pastor numa carrinha de gelados – it’s a Mexican thing. Kingsley volta a afirmar a sua versatilidade, passando de treinador à la Karaté Kid a um Dexter ainda mais impaciente em pouco mais de uma hora, para depois se tornar uma verdadeiro Sheldon em viagem. Uma verdadeira lição em 16:9. Para lá dos twists relacionados com o casal (pouco) católico, há ainda muitos momentos da vida de Paul que ficam por contar e, com James a fazer-se passar por ele, tem tudo para correr mal.

Texto também publicado na Metropolis.

 

Sara Quelhas

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