A HBO Portugal estreia amanhã a sua nova série documental «I’ll Be Gone in the Dark», inspirada pela obra da falecida mulher de Patton Oswalt, Michelle McNamara. Já vi a temporada completa e lanço a review um dia antes do primeiro episódio.
Há uma forte sensação de desconforto desde o primeiro instante de «I’ll Be Gone in the Dark». A principal obreira desta história, Michelle McNamara — a falecida esposa do ator e comediante Patton Oswalt — já não está cá para a contar na sua voz. Amy Ryan assume o lugar de narradora, para estabelecer uma ligação mais forte entre a protagonista e o espectador. É, assim, uma experiência necessariamente amarga, mesmo que só em parte.
A série documental da HBO tem o mesmo nome da obra, publicada em 2018, já depois da morte de Michelle, em 2016, acidental e por abuso de medicamentos. A então mulher de Patton estava de tal forma obcecada com o caso do East Area Rapist (EAR)/Original Night Stalker (ONS), que servia de base ao livro, que passava noites inteiras sem dormir e contornava o cansaço com automedicação. Completar o livro sem desvendar este mistério de décadas era, portanto, uma luta interior constante em Michelle e que, a longo prazo, acabou por derrotá-la. Seria Patton um dos principais responsáveis pela conclusão da obra, a par da editora, de Paul Hynes (“detetive civil”) e Billy Jensen, amigo e autor de livros relacionados com “true crime” (crimes reais).
A história recente de Michelle e da sua família confunde-se com a investigação do EAR, que atuou na Califórnia entre 1976 e 1986, totalizando 50 violações e 12 homicídios. Apesar do seu rasto de terror, especialmente concentrado entre 76 e 81, as autoridades nunca conseguiram sequer aproximar-se da identidade do culpado. Viciada em “true crime”, como muitos dos seriólicos que acompanham este tipo de minisséries, Michelle ganhou visibilidade pela primeira vez graças ao seu blogue: True Crime Diary. No entanto, seria ao caso EAR/ONS que dedicaria os últimos anos da sua vida, a par de outros investigadores civis, envolvidos em fóruns organizados nos EUA.
«I’ll Be Gone in the Dark» acaba, parcialmente, por repor alguma justiça em relação ao papel de Michelle na resolução deste caso. Embora as autoridades tenham retirado o mérito do trabalho da escritora, atribuindo-lhe apenas algum crédito no que diz respeito ao alcance mediático, a verdade é que a investigadora “amadora” acabou por influenciar a linha de investigação do caso. Michelle entrevistou detetives, especialistas, assistentes sociais, vítimas e muitos outros envolvidos, traçando timelines e chamando a atenção para novos meios tecnológicos que poderiam permitir a identificação do culpado.
Depois da homenagem a Michelle, à boleia do que melhor a carateriza — o seu trabalho —, a minissérie dispara em direção à sua conclusão. Não é, definitivamente, a série-tipo deste género, e «I’ll Be Gone in the Dark» denuncia isso desde cedo: há muito de pessoal e humano por entre o mergulho na escuridão provocada pelo EAR. Há o lado de mãe, esposa, dependente de medicamentos, obcecada com o seu trabalho — sem nunca perder o foco da história que quer contar, e das vítimas que ficaram por vingar durante mais de 40 anos.
Texto originalmente publicado na Metropolis
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