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High Maintenance: que droga de vida… e de série (das boas)

Depois de seis temporadas na internet, «High Maintenance» mudou-se para a HBO – e para o TVSéries. Dois episódios foram o suficiente para a série conseguir a renovação, em 2016. (Atualmente na segunda temporada, viu a terceira ser garantida há dois dias || Análise do episódio piloto).

Foi um longo caminho para o casal Ben Sinclair e Katja Blichfeld desde a estreia da sua web série «High Maintenance», em novembro de 2012. Antes de ser adquirida pela HBO, os criadores tinham de apelar ao apoio monetário dos seguidores da série e, em 2014, o Vimeo financiou meia dúzia de episódios. Agora, se procurar os episódios na internet, na sua fonte original, encontrará um breve teaser que o/a reencaminhará para a HBO, o canal detentor dos direitos de emissão da série, que foi renovada para uma segunda temporada no final de setembro [texto originalmente publicado em novembro de 2016].

A narrativa é sustentada por um conceito que, não sendo novo, não é tão replicado quanto isso: a entrada de novas personagens em cada episódio, com a temporada a resultar, na prática, de eventos isolados (curiosamente, «Easy» parte do mesmo princípio). O elo de ligação entre eles é “The Guy” (Ben Sinclair), um traficante de droga sem nome, que faz entregas em Nova Iorque de bicicleta e vai contactando com um leque distinto – e caricato – de clientes. Não obstante, ao contrário do que acontecia na web série, “The Guy” tem múltiplos clientes por episódio e não apenas um, sendo que, naturalmente, também a duração atual é superior à dos episódios antigos.

Mais tempo é também sinal de mais aventuras para o “The Guy”, que não consegue ter um dia calmo no “trabalho”. No primeiro episódio, que teve estreia mundial no passado dia 16 de setembro, o traficante bem se pode queixar da falta de sorte que, em contrapartida, valeu umas boas risadas ao espectador. Não podemos esperar pela primeira entrega, depois de uma breve introdução ao protagonista, mas qual ironia do destino, “The Guy” é detido à porta do apartamento por uma discussão entre Johnny (KeiLyn Durrel Jones) e a namorada. Este autêntico “Vin Diesel” – a piada evidente é mesmo verbalizada – não está, aparentemente, a atravessar a melhor fase da sua vida e procura apoio no suposto amigo…

“The Guy” não é uma pessoa sociável, embora isso pudesse até ser uma mais-valia no negócio da “erva”, pelo que a interação com os clientes se torna facilmente incómoda, sendo o mal-estar palpável para lá do ecrã. O vendedor não vê em Johnny um amigo, mas vai mantendo a farsa com medo de perder o cliente. Já a presença de um amigo misterioso na sala serve para adensar o lado mais sombrio desta comédia, uma vez que, ao contactarmos com personagens desconhecidas, nunca sabemos do que elas são capazes. Sem que nada o fizesse prever, o comportamento estranho de Johnny não passou, afinal, de um teste às suas capacidades de representação e, a julgar pela reação de “The Guy”, foi bem-sucedido.

Há, de seguida, uma escolha criativa arriscada. Fora da esfera imediata de “The Guy”, conhecemos Max (Max Jenkins), o único homem num grupo de amigas, que tem dificuldade em pautar a sua presença com mais do que conselhos ocos. Não é, portanto, de estranhar que desapareça à mínima oportunidade. Através de uma aplicação para encontros casuais entre homens, Max envolve-se com Sebastian (interpretado pelo ator porno Colby Keller) e, a partir daí, começa a acompanhá-lo às reuniões de ex-viciados em droga. No entanto, as mentiras que vai alimentando sucedem-se, tentando assim parecer mais interessante aos olhos da nova conquista.

No entanto, embora “The Guy” esteja mais longe da vista, é uma questão de tempo até as duas storylines se cruzarem, como é desde logo anunciado pelo conceito da série. Como seria de esperar, a mentira de Max tem a perna curta e, por acaso do destino, a sua fase mais negra coincide com a descoberta do telemóvel do protagonista da série que, curiosamente, é também o seu fornecedor. Ironicamente, e depois de não destruir a “amizade” com Johnny a muito custo, “The Guy” perde as estribeiras e confessa não suportar Max. A discussão é inevitável e, como consequência, Max vê ali a oportunidade de enriquecer aproveitando a lista de clientes presente no telemóvel, que não para de tocar.

O piloto é um exemplo de como se pode ter um episódio equilibrado sem depender em demasia da sua figura principal, permitindo, assim, que a narrativa exista fora do universo deste. Enquanto audiência, sabemos mais do que “The Guy”: Johnny termina a sua mentira já depois da saída do traficante e o trajeto de Max nada tem a ver com este. Com um sem fim de possibilidades à sua frente, «High Maintenance» sai reforçada pela profundidade, ainda que superficial, das personagens que vão surgindo. Resta saber quais os próximos clientes que vamos encontrar pelo caminho…

 

Texto originalmente publicado na Metropolis.

Sara Quelhas

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